Ouça a leitura desse concerto:

95º Concerto: Gabrieli, Blavet e Dvorak

95º Concerto de Discos
05 de agosto de 1954
4 pessoas

1ª parte

I - Giovanni Gabrieli

A primeira parte do nosso programa de hoje apresenta alguns discos em que os ouvintes não encontrarão a limpidez de registro a que os crescentes progressos da técnica fonográfica nos habituaram. São gravações antigas, feitas por volta de 1938, mas contêm documentos indispensáveis ao conhecimento da história da música. Esta circunstância nos pareceu suficiente para que recorrêssemos a eles, como em outras ocasiões já recorrêramos a discos da mesma coleção. Pertencem à "Antologia Sonora" dirigida pelo notável musicólogo alemão Curt Sachs, trabalho de cultura e inteligência com que o disco foi posto a serviço da musicologia e da divulgação de aspectos pouco conhecidos da história da música.
Com a peça inicial, de Giovanni Gabrieli, os ouvintes entrarão em contato com as primeiras manifestações importantes da música instrumental europeia. Até o século XV, os instrumentos eram empregados quase sempre apenas pela música popular e tinham função exclusiva de acompanhadores do canto. É nos séculos XV e XVI que eles começam a ter vida própria, embora as obras instrumentais da época não passem, em geral, de arranjos de peças vocais em moda. As danças também faziam parte do repertório e o costume de executar em seguida duas ou mais, deu nascimento à Suíte, de enorme importância na evolução das formas instrumentais, pois que ela foi um dos degraus que conduziram à forma da Sonata clássica. Essa música instrumental dos séculos XV e XVI movia-se com relativa dificuldade, pois lhe faltava ainda a consciência da técnica, da natureza e dos recursos do instrumento, muito diferentes dos da voz.
Veneza foi, nessa época, um dos grandes centros de experiências instrumentais, onde Giovanni Gabrieli, também grande representante da música vocal religiosa veneziana, exerceu uma verdadeira função de chefe de escola, procurado até por músicos de outros países, que com ele estudaram.
A "Sonata Pian e Forte", de Giovanni Gabrieli, é uma peça célebre, escrita para dois trombones, duas cornetas e duas violas, instrumentos de cordas friccionadas que antecederam a família dos violinos. Nela, a designação Sonata nada tem a ver com a forma da Sonata clássica, só fixada muito mais tarde, na segunda metade do século XVIII. Ao tempo em que surgiu, a palavra "Sonata" (do verbo italiano sonar = tocar) designava apenas uma peça tocada, isto é, instrumental. O tipo dessa Sonata de Gabrieli é o da Canzon, forma que se chamava mesmo Canzon da Sonar, isto é, canção para ser tocada, donde vir a ser nomeada simplesmente Sonata.
A "Sonata Pian e Forte" ainda tem um caráter vocal bastante acentuado. Seu desenvolvimento melódico lembra os cantos religiosos da época, de feitio declamatório. Entretanto, além do seu legítimo valor musical, dois fatos a tornam uma espécie de marco na história da música. Um, é ser ela o primeiro documento conhecido de música escrita expressamente para um grupo de instrumentos determinados. Até então, os compositores escreviam peças a tantas partes (3, 4, 5, por exemplo) e essas partes eram executadas pelos instrumentos disponíveis, levando-se em consideração apenas a região mais aguda ou mais grave deles. O segundo motivo da importância dessa obra reside em que ela é, historicamente, a primeira peça onde se encontram indicações de gradação de sonoridade, como o seu próprio nome mostra: "Sonata Pian e Forte”, isto é, Sonata que deve ser executada com alternâncias de sons mais intensos e mais brandos.
A majestade um pouco pesada dessa Sonata de Gabrieli faz pensar naqueles pomposos cortejos de Doges e Senadores, entrando solenemente em São Marcos, saudados pela orquestra.

Disco

Giovanni Gabrieli (Itália, 1557-1612): Sonata pian e forte (1597)
Cornetas, trombones e violas; direção de Curt Sachs



Duração: 05:13

II - Michel Blavet

Enquanto Giovanni Gabrieli nos mostrou os primeiros passos da música para instrumentos, a Sonata de Blavet irá colocar-nos no início da fase em que a música instrumental se expandiu plenamente e fixou o seu predomínio sobre a música vocal: o século XVIII.
Essa deliciosa Sonata de Blavet exibe também dois aspectos históricos importantes. Sua forma revela o processo de transição que conduziu das velhas Suítes à Sonata clássica: dos seus cinco trechos, três conservam nomes de danças, como nas Suítes, enquanto dois trazem apenas as indicações de movimento, como pouco depois a Sonata clássica sistematizaria. O outro fato de relevo a que ela se liga é a substituição da antiga flauta de bico pela flauta transversal que todos conhecemos bem, e a eclosão de um notável repertório para este belo instrumento. Compositor e virtuoso, Blavet foi um dos músicos que desenvolveram a técnica de execução da flauta e fundaram o seu repertório. Famoso no seu tempo, sua arte mereceu até versos calorosos e este "Elogio" escrito num "Necrológio dos Homens Célebres de França": "Antes, só se ouviam executadas na flauta transversal pequenas árias despidas de expressão, que exigiam apenas o pouco de naturalidade e facilidade que o hábito fornece. Ninguém suspeitava a perfeição de que esse instrumento era susceptível, e que é devida ao Senhor Blavet. Em suas sonatas e concertos, este músico ilustre soube tirar da flauta todos os sons mais agradáveis, com uma execução limpa e rápida, exata e brilhante, de que ninguém ainda tinha dado ideia. Em uma palavra: os sons da flauta transversal tornaram-se, sob seus dedos, a imitação perfeita de uma bela voz, o encanto dos ouvidos sensíveis".

BIBLIOGRAFIA: Oneyda Alvarenga: "Música dos séculos XV e XVI" (conferência inédita, Curso de História da Música) Oneyda Alvarenga: "Música instrumental do século XVIII" (conferência inédita, Curso de História da Música)
Curt Sachs: Comentário que acompanha a gravação da Sonata de Blavet.
Blavet (França, 1700-1768). Sonata para flauta em Ré Menor


Duração: 13:42

2ª parte

Dvorak

Em comentário ao nosso primeiro concerto, tivemos ocasião de assinalar que, pela valorização dada ao povo e pela busca do pitoresco, o Romantismo trouxera, entre suas consequências benéficas, a acentuação das características nacionais na música e o aparecimento de diversas escolas musicais importantes, em países que não possuíam tradição musical culta ou tinham perdido contato com ela.
A Tchecoslováquia foi um desses países que viram nascer no século XIX uma escola musical própria, iniciada por Smetana, escola que, como várias outras, foi buscar sua cor nacional no folclore. A música de Dvorak, um dos seus primeiros esteios, revelou de início a influência de Mozart, Beethoven, Wagner e Liszt, só principiando a assumir importância e aspecto pessoal, depois que Dvorak resolveu seguir o caminho traçado por Smetana. Buscando conformar-se ao espírito do seu povo, Dvorak passou a aproveitar em sua música formas populares não só tchecas, mas eslavas em geral; a usar sistematicamente, nas obras vocais, o idioma pátrio e a inspirar-se, para as obras dramáticas ou de programa, em lendas do seu país. Entretanto, seus modelos maiores continuaram sendo alemães, Beethoven e Brahms, de quem a influência se percebe clara em suas obras. O último foi seu amigo e frequentemente seu conselheiro. O crítico tcheco Ottokar Sourek acentua que foi parcialmente graças a Brahms, "que Dvorak não permaneceu apenas um compositor espontâneo, melódica e ritmicamente bem dotado, mas se tornou um artista refinado e culto", afeito ao paciente labor da boa fatura. Esse mesmo crítico assim analisa o conjunto da obra do seu compatriota: "Em sua arte, a intuição leva a melhor sobre a inteligência. Em consequência, a extensa vida criadora de Dvorak é desigual. Há nela muita coisa a que falta peso e significação, se comparada com o resto; encontram-se pontos fracos onde as ideias se mostram ajuntadas às pressas, e que melodicamente contêm mais joio que trigo. Por outro lado, a produção de Dvorak inclui uma série de grandes obras que são uma legítima manifestação de arte nobre e forte, obras cujo conteúdo, fatura e forma revelam um inspirado espírito criador e grande maestria técnica.
Ao grupo das melhores obras de Dvorak pertence o Concerto que encerra nosso programa, um dos mais famosos do repertório para violoncelo. Escrito em 1895, esse Concerto op. 104 é uma das últimas peças que Dvorak compôs nos Estados Unidos, país onde residiu de 1892 a 1895, em razão de um convite que lhe fora feito para dirigir o Conservatório de Nova York. Das obras escritas por Dvorak nesse período, ao qual pertence também a sua célebre Sinfonia “Do Novo Mundo", este Concerto é uma das que foram marcadas decisória e profundamente pela sua saudade da pátria.

Bibliografia:

Ottokar Sourek: art. "Dvorak" in "Grove's Dictionary of Music and Musicians", ed. de 1946.

Dvorák (Tchecoslováquia, 1841-1904): Concerto em Si Menor, op. 104, para violoncelo e orquestra.
Allegro; Adagio ma non troppo; Finale - Allegro moderato Gregor Piatigorsky (violoncelo) e Orquestra de Filadelfia regida por Eugene Ormandy



Duração: 38:48

Compartilhe: