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53º Concerto: Palestrina e Mozart

13 de agosto de 1953

1ª parte

GIOVANNI PIERLUIGI DA PALESTRINA

Giovanni Pierluigi, nascido em Palestrina em 1525 ou 26, só é conhecido pelo nome de sua terra de origem. Depois de ter sido menino corista da Igreja de Santa Maria Maior, em Roma, passou a organista da Igreja de sua cidade natal. Quando exercia essas funções, foi notado pelo arcebispo de Palestrina que, ao tornar-se papa sob o nome de Júlio III, chamou-o em 1551, para junto de si, confiando-lhe a direção da Capela Júlia, escola preparatória da Capela Sixtina do Vaticano.
Muitas vicissitudes perturbaram a vida do grande compositor. Protegido pelos papas, lutando contra a inveja dos chantres, Palestrina teve uma vida gloriosa, mas difícil. Embora tenha formado seu espírito de compositor sob a influência dos mestres franco-flamengos, que dominaram a música europeia dos sécs. XV e XVI, o gênio simplificador de Palestrina criou uma arte própria, libertada das complicações polifônicas a que tinham chegado seus antecessores. A música de Palestrina, de uma calma grandeza, inimiga de fórmulas pedantes, corresponde, com uma perfeição jamais ultrapassada, às aptidões e exigências das vozes humanas.
À grande religiosidade da polifonia palestriniana, deve-se a lenda de que foi ela que impediu o Concílio de Trento de banir a música dos ofícios divinos. Durante muito tempo, acreditou-se que a Missa do Papa Marcelo, hoje apresentada em nosso concerto, desarmara, pela sua pureza, a severidade do Concílio, tendo sido por este indicada, aos músicos do tempo, como modelo de composição religiosa. Entretanto, está hoje provado que tal fato é realmente lendário. A principal razão que levava o Concílio a desejar excluir a música do serviço religioso, era o fato dos compositores utilizarem como tema de suas peças, canções profanas, às vezes com o próprio texto, frequentemente picante. Ora, a Missa do Papa Marcelo baseia-se integralmente na célebre canção profana "O homem armado", utilizada em várias missas por vários compositores do século XVI. O próprio Palestrina compôs outra missa sobre o mesmo tema e não vacilou em dar-lhe o título "Missa do Homem Armado". Entretanto, o gênio de Palestrina era tão grande, tão sério e tão essencialmente religioso o seu espírito, que qualquer tema profano transfigurava-se em suas mãos: o humano transformava-se em divino.
A missa do Papa Marcelo, composta provavelmente em 1555, época em que reinou por breves dias este pontífice, foi publicada só muito mais tarde, em 1561. A composição apresenta o seguinte dispositivo vocal: o Kyrie, o Glória, o Credo, a primeira parte do Sanctus e o 1º Agnus são a seis vozes: dois baixos, dois tenores, contralto, soprano. A segunda parte do Sanctus, isto é, o Benedictus, escrita a quatro vozes, exclui os baixos, tendo portanto dois tenores, contralto, soprano. O 2º Agnus é escrito a sete vozes, e emprega esta distribuição rara: dois baixos, tenor, dois contraltos, dois sopranos. Cada voz representa uma parte no coro.

Palestrina (Itália, 1525-1594): Missa do Papa Marcelo*




Duração: 01:00:47


2ª parte

WOLFGANG AMADEUS MOZART

A biografia de João Crisóstomo Wolfgang Amadeus Mozart, compositor austríaco do século XVIII, pode ser resumida em poucas palavras; a infância brilhante de menino-prodígio, a luta e a miséria da mocidade curta, a morte dolorosa numa noite de inverno e o enterramento, sem que ninguém o assistisse, numa vala comum. E pairando acima das contingências amargas da sua vida, uma alegria, uma fé, uma serenidade, um equilíbrio espiritual perfeitos, que colocaram suas obras entre as criações mais puras, brandas e luminosas do gênio humano.
A música do século XVIII estava, na sua orientação geral, sujeita ao gosto dos nobres amadores que a pagavam, para os quais era composta e que muitas vezes eram também os seus executantes. Ouvida no meio do barulho de conversas e talheres nas refeições, tocada em festas nobilíssimas, executada por diletantes nobres nos seus longos ócios, a música do século XVIII se impregnou da graça, do amaneirado, da discrição elegante, da facilidade amável (mas não vulgar) do ambiente em que vivia, assumiu uma função de enfeite, uma função meramente decorativa. Eminentemente aristocrática, portanto, sem contato com as manifestações mais violentas da alma popular, evitou todo exagero expressivo, limitou-se a falar a sua linguagem sentimental disfarçando-a com sorrisos e mesuras, não rompendo nunca os limites do equilíbrio. Mesmo sendo música dramática, música de teatro, a pintura das paixões humanas não chega nunca ao paroxismo que alcançaria no século XIX e a pura beleza musical prevalece sobre a intenção psicológica dos agenciamentos sonoros. Por tudo isso, pelo seu grau elevado de musicalidade, pelo seu equilíbrio, a música do século XVIII é geralmente apresentada como o maior expoente da música pura, isto é, da música que busca a sua razão de ser dentro dos próprios limites das leis sonoras, sem intenções nitidamente descritivas ou expressivas, e o seu século, o século de ouro da música ocidental.
Dentro dessas tendências gerais da época, Mozart escreveu as suas composições. Não foi um revolucionário, não quebrou normas estabelecidas, não deu origem a disputas estéticas. As formas em que ele vazou a sua fluente inspiração musical, como por exemplo a Sonata, o Quarteto, a Sinfonia, ele as recebeu já com bases estabelecidas. Sua missão seria genializá-las e fixá-las, ao mesmo tempo que se tornava uma das mais puras expressões, senão a mais pura, da música alemã do seu tempo.
As sinfonias de Mozart, como as de Haydn, são o ponto de partida da moderna música orquestral. Mozart compôs 49 sinfonias, sendo que entre elas se contam três obras-primas universais: a Sinfonia nº 39 em mi bemol maior, a nº 40 em sol menor, e a nº 41, em dó maior (conhecida por Sinfonia "Júpiter".)
As sinfonias são composições para orquestra, escritas nos moldes da Sonata para instrumento solista. As peças do tipo da Sonata clássica (Trios, Quartetos, Quintetos, Sinfonias, etc.) compõem-se de três ou quatro trechos chamados movimentos, ou tempos, um ou dois moderados entre dois rápidos. Os tempos de uma peça tipo sonata seguem geralmente este plano: Allegro, Adagio, Minuete ou Scherzo, Allegro (Final). O allegro inicial, denominado especialmente forma-de-sonata, é construído em três partes: a primeira, chamada exposição, apresenta os dois temas, em geral de caráter contrastante, sobre os quais se baseia o movimento; na segunda, o desenvolvimento, o compositor trabalha esse dois temas, amplia-os, tirando deles todas as suas consequências musicais; na terceira parte, ou reexposição, aparecem novamente os dois temas do início.
A profunda comoção da Sinfonia em Sol Menor, o sopro vigoroso de paixão e inquietação que circula por todo o primeiro tempo, mostram já em Mozart os primeiros sintomas da fogosidade expressiva que Beethoven acentuaria, e o meado do século XIX, com o Romantismo, exigindo da música e das artes em geral a maior comoção possível, levaria às últimas consequências. São quatro os movimentos desta sinfonia: Allegro molto, Andante, Minuete, Allegro assai. O Allegro final nela aparece construído também em forma-de-sonata, como o Allegro inicial. À calma expressividade do Andante sucede um Minuete de ritmo tão acentuado, que quase pode ser dançado. Pela sua admirável beleza, merece especial menção o primeiro Allegro.
Nas sinfonias, a exposição do primeiro tema é, em geral, precedida de uma introdução. Ora, na Sinfonia nº 40, Mozart já ataca de início o primeiro tema, confiado às cordas, o que lhe aumenta sobremaneira a força expressiva e o caráter angustioso. Depois da exposição do primeiro tema pelos instrumentos de sopro, uma pausa de um compasso inteiro antecede a apresentação do segundo tema, que por isso obtém um relevo especial. A primeira parte termina com uma coda no ritmo do primeiro tema, concluída bruscamente por um acorde isolado. E o desenvolvimento dos elementos melódicos e rítmicos dessa primeira parte, precipita-se cada vez mais febrilmente, exalta-se, enfurece-se, até finalizar como que esgotado do esforço emocional.

Mozart (Áustria, 1756-1791), Sinfonia em Sol Menor, nº 40, K.550



Duração: 23:01

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* Repetição do 42º Concerto de Discos

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