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106º Concerto: Mozart e Brahms

27 de janeiro de 1955
11 pessoas

1ª parte

Mozart

“A musicalidade intensa de Mozart, destinada a deixar marcas de gênio em todos os gêneros que abordou, propendia acentuadamente para o teatro. O teatro sempre foi a sua preocupação maior, e assim é que a ausência de representações musicais, e de um meio onde elas pudessem desenvolver-se, se inclui entre as causas que o fizeram deixar Salzburgo, sua terra natal, para fixar-se em Viena.
A ópera absorvia a maior parte das atenções da época. Na Alemanha, como em toda a parte, as grandes cortes brilhavam com os músicos e cantores famosos trazidos da Itália, enfeitavam-se, embebiam-se, impregnavam-se de música italiana, enquanto que nas pequenas cortes da infinidade de pequenos reinados em que então se dividia o país, é que se formavam, aos poucos, como consequência mesma de recursos mais modestos, o sinfonismo e a música instrumental alemães.
Como todos os demais operistas do seu tempo, Mozart sofreu também a influência italiana, influência que ele bebeu na própria fonte, pois que três vezes estivera na Itália e lá iniciara, aos 14 anos, sua carreira de compositor teatral.
Aprendendo a escrever para a voz humana com os italianos, dando à sua música vocal uma luminosidade e uma voluptuosidade latinas, Mozart, entretanto misturou aos seus sorrisos mediterrâneos (que também eram fruto da sua gloriosa alegria) um quê de gravidade e profundeza germânicas, que lhes tirou o aspecto de superficialidade mais comum às linhas melódicas italianas. Por outro lado, a importância que Mozart reservava à orquestra no seu teatro musical levava para este conquistas sinfônicas alemãs de seu tempo, que ele próprio genializara (sic) em tantas e tão admiráveis obras.
'Foi um alemão, escreveu Wagner, que levou a ópera italiana à sua perfeição ideal e, depois de tê-la assim marcado com o selo da universalidade, presenteou-a a seus compatriotas. Mozart enobreceu tão bem as qualidades dominantes da maneira italiana, fundiu-as tão bem com os seus próprios dons - a pureza e o vigor alemães, que chegou a criar algo de absolutamente desconhecido antes dele'.
Entretanto, o italianismo operístico de Mozart aparece entremeado de preocupações pela criação de uma ópera verdadeiramente alemã. E para ela dá de fato as primeiras contribuições geniais, com 'O Rapto no Serralho', a que chamou de 'opereta cômica', composta em 1781-82, e 'A Flauta Mágica', escrita em 1791 e já então denominada 'ópera alemã'.
Além dessas óperas, as obras-primas de Mozart para o teatro são: 'Le nozze di Figaro' opera-buffa em quatro atos (1785-1786); 'Così fan tutte', opera-buffa em dois atos (1789-1790) e 'Don Giovanni', 'dramma-giocoso' em 2 atos (1787), que é geralmente considerada a mais alta expressão do teatro lírico mozartiano.”
A primeira parte de nosso programa exemplifica rapidamente algumas óperas de Mozart. Ao lado de trechos de obras-primas da sua maturidade, a gravação escolhida contém uma ária de "Il Ré Pastore", ópera que Mozart escreveu em 1773, aos 18 anos, e o "Aleluia" do motete "Exsultate jubilate", composto na mesma data, bom exemplo da profanidade teatral da música religiosa da época.

Fontes: Transcrição literal de conferência inédita de Oneyda Alvarenga sobre Mozart.

Mozart (Áustria, 1756-1791):

Die Zauberflöte - Arie der Königin der Nach



Duração: 01:57:33


Le Nozze di Figaro: voi che sapete – 3º ato



Duração: 39:54


Die Entführung aus dem serail: K.384 – Ach, ich liebte – 1º ato



Duração: 49:50

Die Entführung aus dem serail: K.384 – Welch Wonne – 2º ato




Duração: 01:07:45


Motette für sopran: K.165 – Exsultate, jubilate - “Aleluia”



Duração: 15:02

Il rè pastore: K.208: L'amerò, sarò constante



Duração: 07:09


2ª parte

Brahms

O musicólogo Karl Geiringer salienta que, embora o desenvolvimento artístico de Brahms tenha sido lento e seguro, sem mudanças bruscas, suas obras podem ser divididas em quatro períodos, possuidores de certas características bem distintivas.
O primeiro período, que vai até 1855, "é o tempo da afetuosa amizade com Robert Schumann e do amor apaixonado por Clara Schumann". Tempo de exaltação romântica, de interesse pela intenção da obra em detrimento do cuidado formal, de duros contrastes expressivos, mas onde já reportam "a simplicidade e a profunda ternura" que estão presentes em toda a criação de Brahms. É um tempo que o músico consagrou quase exclusivamente ao piano.
O segundo período é uma fase de transição, em que Brahms "segue diretamente os modelos clássicos". É o tempo principalmente da música de câmara. Calma e intimidade começam a suceder-se às asperezas anteriores, mas o músico não atingiu integralmente ainda o seu estilo próprio, aquela "admirável contraposição de nostálgico anelo romântico e repouso clássico", aquele "estilo crepuscular'', que se firmaria no terceiro período, iniciado pelo “Réquiem alemão". Esta é a fase madura de equilíbrio perfeito entre forma e fundo, de concisão, de "força e quase trágica violência", e, ao mesmo tempo, de afirmação "daquela infinita melancolia, elemento essencial de todo o corpo da sua obra". É a fase das grandes obras sinfônicas e corais, que vai até 1890.
Depois dela, Brahms julgou seu poder criador esgotado, mas ele reviveu num quarto período, marcado pela volta aos meios de expressão da sua mocidade - o piano, os conjuntos de câmara e as canções, e por obras cada vez mais despidas de exterioridade, mais enxutas, mais intelectualmente refinadas e, muitas vezes, sem a espontaneidade lírica das suas obras anteriores.
A Sonata apresentada em conclusão ao programa de hoje pertence ao primeiro período e é a última das suas três únicas Sonatas que Brahms escreveu para piano. Todos os elementos que Geiringer apontou como característicos dessa fase, podem ser bem percebidos nela, ao lado de uma sensível influência de Schumann. Ao vigor áspero do 1º movimento sucede-se um Andante suave, melancólico, íntimo, verdadeiro Noturno, a que Brahms deu como epígrafe estas palavras do poeta Sternau: “A noite vem, a lua brilha. Dois corações unem-se no amor, ligados para a eternidade.” Era o amor do músico por Clara Schumann se manifestando através desse Andante. Após o Scherzo vivaz, o Intermédio, esclarecido pela indicação de “Reminiscência”, retoma não só o espírito, mas o tema do Andante. E a escritura quase orquestral que ele apresenta, muito característica da primeira fase criadora de Brahms, continua no Rondó conclusivo, Rondó que dá à peça “um poderoso e triunfante final”, à moda beethoveniana.

Fontes:
Karl Keiringer: “Brahms, his life and work”. 2ª ed. London, George Allen and Unwin Ltd., 1948. (p. 201-204, 208 e s. condensadas e rastreadas).
Claude Rostand: “Les Chefs-d'Ouvres du piano”. Paris, Éditions Le Bon Plaisir – Librarie Plon, c1950.

Brahms (Alemanha, 1833-1897): Sonata em Fá Menor, nº 3, op. 5, para piano.



Duração: 34:16

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