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60º Concerto: Loewe e Schubert

01 de outubro de 1953
10 pessoas


1ª parte

Johann Karl Gottfried Loewe

Baladas

Significando inicialmente "canção para dançar", a Balada se vulgarizou na época dos Trovadores (séculos XII-XIII), caracterizando-se pela forma em estrofe-e-refrão, isto é, uma melodia com a qual se cantavam todas as estrofes poéticas e à qual se seguia um estribilho, provavelmente entoado em coro. Já no século XIV a Balada começa a perder o caráter coreográfico, passando a ser exclusivamente um tipo de canção, mantendo geralmente a mesma estrutura formal do início.
Decaindo a partir do século XV, a Balada desaparece aos poucos na França, na Itália e Espanha, países em que tivera um prestígio maior.
Entretanto, a começar do fim do século XVIII, a Alemanha assiste a um renascimento da Balada, alcançando seu apogeu no Romantismo.
As Baladas-poemas de Burger, Schiller, Goethe e Uhland começam a ser postas em música.
Obedecendo ao corte e ao espírito dessas poesias, a Balada apresenta pouca relação com o tipo antigo. Sua forma passa a ser, quase sempre, estrófica, isto é: todas as estâncias são cantadas com uma melodia única, sem refrão. Às vezes, uma melodia funciona mais ou menos como um tema e é desenvolvida, sendo que esse desenvolvimento constitui um como que substitutivo do antigo refrão. Os poemas são épicos, narrativos, legendários ou fantásticos, e a música reflete esses caracteres, não descrevendo os poemas - verso por verso ou estância por estância - o que é impossível numa forma estrófica - mas buscando exprimir-lhes o espírito do todo. Assim concebida, a Balada se distingue do Romance (mais sentimental ou mais alegre) pelo elemento trágico, pelo traço pessimista, derivado da presença de forças naturais superiores à do homem, a luta contra o destino, etc.
Este tipo, ao qual pertencem as imortais Baladas de Schubert, teve como iniciadores Zumsteeg e Loewe. Johann Karl Gottfried Loewe (1796-1869), embora cultivasse outros gêneros musicais, tem o seu nome marcado na história da música por ter sido um dos primeiros cultores do Lied artístico alemão e pelas suas inumeráveis Baladas. Algumas destas são mesmo muito belas e merecem a nossa admiração. Que o provem as quatro incluídas no concerto de hoje.


Gottfried Loewe (Alemanha, 1796-1869), Baladas*:

Fridericus Rex



Duração: 03:39

Prinz Eugen, der edle Ritter



Duração: 03:41

Tom der Reimer, op. 135



Duração: 06:25

Die Uhr, op. 123, nº3



Duração: 04:39


2ª parte

Franz Schubert

Colhido na rede das circunstâncias e traído pelo destino, Franz Schubert viveu e morreu ignorando a sua verdadeira grandeza. Dentre seus contemporâneos bem poucos viram e compreenderam obscuramente o seu valor e lhe concederam o galardão do mérito; no entanto, coube a Schubert, entre a maioria dos homens daquela época e dos que vieram depois, o orgulho, e ao mesmo tempo o privilégio infeliz, de falar uma linguagem especial que eles não podiam entender. E, como um gesto irônico final, o destino ingrato seguiu-o além-túmulo: - muitos compositores modernos, bastante popularizados, têm recorrido a música de Franz Schubert em busca de inspiração e, em muitos casos, de material, auferindo com isso benefícios pecuniários tão grandes, que o pobre Schubert, perseguido pela pobreza, com dificuldade poderia conceber.
Apesar de morrer aos 31 anos, Schubert deixou um tesouro musical raramente igualado por outro compositor. O número de suas canções incomparáveis atingiu centenas, e, nas formas musicais mais amplas, trabalhou com um afinco e facilidade quase sem exemplos antes ou depois de seu tempo. Sua música é a imagem de uma natureza ardente, simples e amável. E não é de admirar que a sua força emotiva, particularmente direta e íntima, chegue instantaneamente ao coração dos que a ouvem.
Não obstante ter sido pouco versado em certos ramos importantes da arte da composição, Schubert deixou sua marca em quase todas as formas musicais estabelecidas. É inegável que foi um gênio extraordinário e que teve um dom melódico especial e espontâneo, mais rico que o de muitos compositores de grande nomeada. Trabalhado, como o foi, não numa forma mais ou menos feliz, esse dom floresceu em algumas das músicas mais belas que um mortal jamais ouviu. O que Schubert teria sido, se o mundo não o houvesse deixado morrer de fome, indica-o a beleza subjugadora de suas últimas obras. Embora incluído entre os maiores compositores de todos os tempos, a morte o levou quando suas forças criadoras não haviam atingido ainda a plenitude.
O imortal deserdado da sorte deixou bens avaliados em menos de 50 florins. Sua Viena adorada colocou em seu túmulo uma placa com a seguinte inscrição: “A música enterrou aqui não só um rico tesouro, mas esperanças ainda mais belas. Franz Schubert aqui repousa"
O dom divino da melodia que Schubert possuiu, nunca foi mais belamente utilizado do que no Quarteto que apresentaremos. A força emotiva que conquistou para a sua música o tributo precioso das lágrimas e sorrisos de todo o mundo, está presente neste quarteto, em toda a sua precisão e sutileza. O que diremos em seguida delineia os seus pontos musicalmente mais importantes.
Não se deve ouvir Schubert com atitude acadêmica. Esta música é de um mestre, formosa na forma e cheia dessas perfeições que agradam ao amante da música tecnicamente versado. Todavia ela é ainda mais, música para agradar. Ninguém precisa ter conhecimento da mecânica e matemática da música para gostar de suas fases mais importantes; sua força emotiva, direta e penetrante, sua melodia fascinadora e o encanto do colorido que os executantes lhe dão nesta gravação, imortalizam a obra de Schubert.
(1º movimento) o quarteto é formalmente uma sonata, forma a que obedece também a sinfonia. Enquanto que nesta a orquestra fala pelas diversas linguagens de inúmeros instrumentos, e na sonata solista, ouvimos somente a voz solitária de um instrumento, no quarteto quatro vozes se agrupam. Do ponto de vista do poder emocional, o quarteto está colocado entre o caráter imperativo de uma sonata para instrumento solista e a sonata (sinfonia) para orquestra, com suas vozes múltiplas e um tanto impessoais, mas de poder excepcional. As emoções que o quarteto evoca diferem em grau, mas não em caráter, das emoções despertadas pela sonata solo ou pela sinfonia. O quarteto é talvez, entre todas as formas de música instrumental, a mais repousante e confortante. Não lhe faltando nada da engenhosidade de estrutura e da perfeição formal de outros tipos de música concertante, o quarteto persuade em vez de constranger, atrai nossa atenção em vez de forçá-la. Mas vigor e vitalidade não são estranhos à natureza do quarteto, e Schubert o demonstra bem, no primeiro movimento desta bela composição.
Ritmo é movimento, e movimento é vida. A melodia é canto, e o canto é a expressão das emoções da alma. E aqui ritmo e melodia são uma só essência indivisível - a expressão terna e meditativa de uma é vitalizada pela outra. As bases da expressão dos instrumentos de cordas - som e fraseado - constituem os únicos materiais que Schubert julga necessários para a exposição de seu tema. A entoação pode cintilar brilhante, pode cantar alegre ou queixosa, pode penetrar no mais íntimo da nossa alma, mas os auxílios artificiais de audácias técnicas, calculadas para despertar a admiração e o espanto dos que ouvem, estão ausentes desta composição.
Na primeira metade do 1º movimento há uma intensificação de vigor e brilho, - e repentinamente uma pausa. Logo, uma nova ideia mais brilhante e elaborada, com um ritmo sempre cheio de vida, aparece e persiste até o princípio da secção final do movimento.
Neste trecho inicia-se uma fase inteiramente nova: uma melodia tipicamente schubertiana deslisa suavemente pela voz do violino, sobre o acompanhamento mais agitado dos outros instrumentos de cordas. Há um momento de crescente agitação e a volta do primeiro canto do violino, movendo-se, às vezes, sobre uma nota baixa sustentada, sobre a qual se constrói uma série de harmonias, das outras cordas. O ritmo vai se tornando mais lento, - mais lânguido, - por um momento quase para, e então, volta subitamente a força inicial do movimento, precipitando-se até o final.
O andante con moto, 2º movimento, deu ao quarteto o seu nome romântico. "A Morte e a Moça" é uma das mais encantadoras canções de Schubert, em que a morte é representada num diálogo com uma jovem donzela a quem escolheu para vítima. Sentindo-se "tão jovem, contente e boa" a moça roga à morte que a perdoe, mas esta, cruel, esforçando-se inutilmente para disfarçar a terrível voz cavernosa e sua intenção, responde afirmando que a jovem não deve temê-la, pois, não viera castigá-la, mas conceder-lhe um descanso suave em seus braços.
A canção em si, nas suas estranhas modulações e nefastas cadências é intensamente expressiva, mas constitui apenas a semente da qual brotam as belas variações que formam a parte principal deste movimento. Musicalmente falando não é difícil descobrir uma relação temática entre o princípio da melodia central deste movimento e o início da marcha fúnebre da Sonata em si bemol de Chopin ou o 2º movimento da Sétima sinfonia de Beethoven. Embora a semelhança seja fugaz e remota, é perceptível. No entanto, desaparece com o desenrolar da peça, surgindo então uma melodia mais clara.
Nunca o tom das cordas foi mais cálido, mais expressivo do que nesta bela música. Sente-se nela a pena, não o terror da morte, e mais que uma insoldável melancolia há uma nota queixosa de esperança. Não há e nem pode haver a sensação do inevitável, pois as harmonias estranhamente formosas de Schubert e suas modulações, são tudo, menos inevitáveis. Ao contrário, possuem encanto e interesse, sem a comoção do inesperado.
A primeira variação aparece na 1ª secção do movimento depois de uma exposição completa da melodia principal. A variação é repetida em cada instrumento. O 2º violino retém a melodia terna, enquanto que o 1º dá alívio à tristeza com uma figura mais brilhante que sobressai. A doce voz de tenor da viola emite um delicioso contratema, e o violoncelo em "pizzicati" continua sugerindo a marcha inexorável da morte, sem caráter macabro, como se a morte sorrisse cinicamente ante a debilidade e impotência de sua vítima.
A variação seguinte surge no violino, mas as outras cordas todas se entrelaçam numa cascata de melodia, permanecendo claro o tema básico. A morte agora se torna impaciente. Há um impulso repentino de vigor, - o oculto esqueleto da canção de Schubert caminha mais rapidamente, enquanto que as vozes falam com ênfase e agitação. E todavia, verifica-se mais uma mudança: outra vez voltamos e a eloquência da melodia pura, nas quatro vozes ternas, mas o tema continua soando claramente.
Aparece agora a terceira secção do movimento: uma versão quase idêntica do tema original surge em alguns compassos, mas sem ter grande duração. O violino geme apaixonadamente e dos registros baixos do violoncelo se levantam expressões cavernosas impregnadas de um significado sinistro. Assim deve ser - é o fim. Harmonias etéreas flutuam no ar, sons mais graves e tranquilos vibram, a donzela, volta em cortinas cálidas de sonhos, se aconchega para dormir o sono de que jamais acordará.
Não se deve supor que, por causa das reminiscências de "A morte e a moça" do 2º movimento, o quarteto seja uma expressão alargada da famosa canção de Schubert. Julga-se que o compositor percebeu nas harmonias e melodias da canção, uma oportunidade para aumentá-las e compreendeu as suas próprias possibilidades musicais.
E assim que o 3º movimento, Scherzo com seu correr festivo de melodia e ritmo movimentado, contrasta deliciosamente com o precedente. Começando um pouco pomposo fica depois à mercê do caráter prazenteiro, mais característico do Schubert-homem, que do Schubert-músico. O movimento com suas divisões naturais "scherzo molto allegro-trio (2ª parte ou parte contrastante de um scherzo”) quase não requer comentário. Sua estrutura é tão clara, o ritmo tão cativante e o significado tão poderoso, que falar dele seria confirmar o aforisma de Schumann: "o melhor discurso sobre a música é o silêncio". E se há silêncio, mais se goza este movimento e há mais segurança de se ouvir sem distração toda a beleza que ele encerra.
Seguramente, no 4º movimento não há nada que sugira a morte e seu terrível aspecto. Aqui há brilho e vida. A galopada rápida, o ritmo elástico e vigoroso que começa com a 1ª nota, têm bem o sabor do abandono alegre da Viena da época de Schubert. Há naturalmente um momento de seriedade, que só serve para destacar a beleza cintilante e imaculada de todo o movo E se há intervalos nos quais se nota uma passageira alusão aos significados emotivos e profundos das partes anteriores do quarteto, também eles têm a mesma finalidade daquele momento assinalado. E, então, por uma destas notáveis modulações de Schubert, ouvimos nas cordas um tom mais agudo, realizando assim um grau a mais de brilho e vitalidade. E neste ápice de júbilo imenso, com um esforço supremo final de vida e esplendor, acaba o movimento.
(Do comentário feito para o quarteto "A morte e a moça", pela casa gravadora Vítor, durante os festejos do centenário de Schubert.)

2ª parte
De Schubert (Áustria, 1797-1828): Quarteto em Ré Menor: A morte e a moça*



Duração: 40:32

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* Repetição do 40º Concerto de Discos
** Repetição do 40º Concerto de Discos

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