Ouça a leitura desse concerto:
24 de junho de 1954
4 pessoas
1ª parte
César Franck
Embora nascido na Bélgica, César Franck pertence ao número dos maiores compositores franceses, pois que ainda muito menino fixou residência em Paris, aí desenvolveu sua carreira artística e poderosamente concorreu para o movimento de renovação musical da França, na segunda metade do século passado*. Foi em grande parte através de César Franck e seus discípulos, que a França retomou o cultivo da música sinfônica e da música de câmara, renovando uma tradição que durante largo tempo abandonara em favor do gosto exclusivo pela ópera, quase sempre italiana ou italianizante. Organista, pianista e professor admirável, homem de modéstia invulgar e bondade verdadeiramente angélica, César Franck legou à França obras notáveis e um grupo de músicos de primeira plana formados à sua sombra, como Chaussón, d'Indy, Chabrier, Fauré e Duparc.
Uma das obras mais importantes de César Franck é a Sonata para violino e piano, com que iniciamos nosso concerto de hoje. Essa peça admirável, ao mesmo tempo apaixonada, dolorosa e serena, é um dos exemplos mais completos da forma da Sonata cíclica, de que Beethoven tinha dado as primeiras amostras e que César Franck ampliou, sistematizou e fixou. Tal estrutura de sonata é chamada cíclica porque todos os trechos formadores da peça giram em torno de um tema principal que, apresentando-se sob vários aspectos e sendo explorado em todas as suas possibilidades musicais, conduz a estrutura geral do conjunto.
César Franck compôs esta Sonata em Lá menor para dois grandes virtuoses, o violinista Eugène Ysaÿe e a pianista Mme. Bordes-Pène, que a executaram pela primeira vez em 1886, num concerto dado no "Museu Moderno de Pintura", em Bruxelas. A propósito dessa primeira execução, conta Vincent d'Indy: "A reunião, que começou às três horas, foi muito longa, e rapidamente se fez noite. Após o primeiro Allegretto da Sonata, os executantes mal podiam ler a música. Como os regulamentos oficiais proibiam qualquer luz em salas que contivessem pinturas, até riscar um fósforo teria sido uma ofensa. O público cogitava em que iriam pedir-lhe que saísse, mas já cheio de entusiasmo, recusava-se a mover-se. Então ouviu-se Ysaÿe bater com o arco na estante de música e exclamar: ‘Vamos! Vamos!’ E aconteceu a maravilha inaudita: os dois artistas, mergulhados numa escuridão em que nada podia ser distinguido, tocaram de cor os três movimentos restantes, com um ímpeto e paixão que, pela ausência mesmo de qualquer elemento exterior que pudesse favorecer a execução, mais assombraram os ouvintes. A música, maravilhosa e sozinha, dominou soberanamente na escuridão da noite.”
(Fonte da informação de d'Indy: seu artigo sobre C. Franck no Cobbett's cyclopedic survey of chamber music.)
César Frank (França, 1822-1890), Sonata em Lá Maior
Duração: 29:01
2ª parte
Tchaikovsky
Tchaikovsky seguramente o mais popular dos compositores russos, o mais largamente conhecido e estimado pelo grande público. Entretanto, é um dos menos importantes dos grandes músicos que a Rússia produziu no século XIX.
Ao lado das suas qualidades irrecusáveis de orquestrador, de seguro manejador de formas, especialmente das mais leves, sua música tem, para todos os ouvidos bem treinados e pelo menos medianamente exigentes, uma fraqueza, inegável de invenção que, procurando atingir o simples, o agradável, caiu quase sempre numa banalidade franca, fortemente açucarada. Foi por isso que, após uma primeira aceitação entusiástica, a música de Tchaikovsky, embora comovendo sempre o ouvinte comum, perdeu quase totalmente as boas graças dos músicos. Inverteu-se, desse modo, a situação existente no século XIX: enquanto aumentava cada vez mais o prestígio dos nacionalistas russos do século passado, que em seu tempo o ocidente repudiara por "bárbaros" (Balaquirev, Borodin, Cui, Mussórgsqui, Rimsqui-Corsacóv), caía o interesse ocidental por Tchaikovsky.
Mas na verdade, embora não possuindo o vigor e a originalidade daqueles seus contemporâneos, Tchaikovsky, ao lado do seu aspecto acentuadamente internacionalizado, revela também certas características de sensibilidade inegavelmente russas. O próprio grupo nacionalista dos Cinco percebia isso e respeitava a sua música. E quando um crítico francês disse a Balaquirev que em França Tchaikovsky era considerado um autor cosmopolita, aquele compositor respondeu: "Estranhíssimo! Ele é profundamente russo. Se nossa música nacional não o marcou como a nós, isso decorre apenas do fato de que ele não cresceu num ambiente exclusivamente russo: sua mãe era francesa e sua ama alemã, enquanto todos nós fomos nutridos, desde a primeira infância, com acalantos populares".
É certamente pelo seu lado de afinidade com a alma russa e principalmente pela sua capacidade de atingir a sensibilidade das grandes massas, que a Rússia soviética tem Tchaikovsky em alta conta, e os novos músicos russos não vacilaram em colocar-se muitas vezes sob a sua influência, nem sempre totalmente justificável.
Todos os admiradores de Tchaikovsky conhecem muito bem as suas Suítes organizadas com trechos de seus bailados famosos: "Quebra-Nozes", "O Lago do Cisne", "A Bela Adormecida". Talvez poucos saibam, entretanto, que entre sua produção sinfônica existem quatro Suítes para orquestra, obras independentes de qualquer destinação cênica. É justamente a última delas que encerrará este concerto: a "Mozartiana", na qual Tchaikovsky, admirador de Mozart, procurou homenagear o admirado e absorver-lhe ou retratar-lhe o espírito.
(Fonte bibliográfica: Calvocoressi – “Panorama della Musica Russa”.)
Tchaikovsky (Rússia, 1840-1893), Suíte Mozartiana
Duração: 26:06
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* Obviamente Oneyda Alvarenga se refere ao século XIX.