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77º Concerto: Bloch, Brahms e Weber

28 de janeiro de 1954
10 pessoas
1ª parte

Ernest Bloch

Ernest Bloch, compositor de origem judaica, nasceu na Suíça em 1880, tendo passado a viver nos Estados Unidos em 1916, onde se naturalizou cidadão americano. As principais etapas da sua formação musical, o próprio Bloch fixou-as assim:
“Onde nasci? Em Genebra, a terra de meu pai e do pai de meu pai. Minha carreira é completamente despida de acontecimentos notáveis. Em criança fiz a mim mesmo um voto de ser compositor. Escrevi o voto num pedaço de papel, enterrei-o sob um monte de pedras e acendi sobre ele uma fogueira festiva. Quebrar esse voto teria sido um sacrilégio!
Em Genebra, estudei com Jacques Dalcroze. Aos 16 anos deixei meu lar para ir a Bruxelas, onde estudei com Ysaÿe. Morei três anos em Bruxelas e depois fui à Alemanha, para absorver as formas clássicas. Em Frankfut-sobre-o-Meno meu mestre foi Ivan Knorr, grande pedagogo que me ensinou a mais importante das coisas: ensinou-me a aprender por mim mesmo. Foi nesse tempo que encontrei minha mulher em Frankfurt. Depois fui para Munique e estudei um pouco com Thuille. Compus em Munique minha primeira Sinfonia e então segui para Paris”.
A característica marcante de Bloch é a sua intenção consciente de fazer da sua música a expressão da alma judaica. E ainda aqui suas próprias palavras são o melhor esclarecimento:
“Não tenciono ou desejo realizar uma reconstrução da música dos Judeus, e basear minhas obras sobre melodias mais ou menos autênticas. Não sou arqueólogo. Acredito que a coisa mais importante que eu tenha a fazer é escrever música boa e sincera – minha própria música. O que me interessa é essencialmente o espírito hebraico: a alma complexa, ardente e agitada que vibra para mim na Bíblia; o vigor e a ingenuidade dos Patriarcas, a violência que se expressa nos livros dos Profetas, o ardente amor da justiça, o desespero dos pregadores de Jerusalém, a tristeza e a grandeza de Jó, a sensualidade do Cântico dos Cânticos. Tudo isso está em nós, tudo isso está em mim, e é a melhor parte de mim. É isso que procuro sentir no meu íntimo e transmitir à minha música”.
Tudo isso perpassa realmente pela sua música, dotada de uma paixão sem entraves e uma expressividade raras nos compositores de sua geração, música incontestavelmente moderna, mas sem os cacoetes que marcaram certa fase da música contemporânea; música que funda largamente suas raízes técnicas e expressivas no passado, lembrando, como acentuara Rebecca Clarcke, a “paixão às vezes amarga, às vezes idealista” de Beethoven, a quem Bloch muito estudou e “a quem se sente ligado por especial afinidade”. Bíblica ou não, é de fato uma alma ”ardente e agitada” que está presente nas principais obras sinfônicas de Bloch. Na “Sinfonia Israel”, nos “Três Poemas Judeus”, em “Schelomo” - rapsódia para violoncelo e orquestra; em sua grande obra vocal, o “Serviço Sacro” para as cerimônias rituais da manhã do Sabá; e também em sua música de câmara, de que a Suíte apresentada no concerto de hoje é um dos belos exemplos.
Bloch é, com Hindemith, um dos compositores modernos que mais se preocuparam em valorizar a viola como solista e em enriquecer o infelizmente pequeno repertório desse instrumento admirável. Sua Suíte para viola e piano foi escrita em 1919 e conquistou o Prêmio Coolidge desse ano. Em 1920, Bloch deu-lhe uma nova versão, transformando a parte de piano numa parte de orquestra, buscando assim realçar os “efeitos peculiares e os ritmos fortemente marcados da obra”.
A Suíte compõe-se de 4 movimentos: Allegro, Allegro irônico, Lento, Molto vivo, gravado em 4 discos e sua parte de viola requer um executante ricamente dotado de segurança técnica e qualidade expressivas. Na sua fluência aparentemente simples, a peça é cheia de dificuldades técnicas, explorando todos os recursos e registros da viola, com ênfase especial do seu registro mais agudo.

Fontes: Cobbett's Cyclopedic Survey of Chamber Music
David Ewen: Composer or To-day
A. Veinus: comentário que acompanha a gravação.

Bloch (Estados Unidos, 1880-1959): Suíte para viola e piano



Duração: 31:27


2ª parte

Brahms

Johannes Brahms, compositor alemão, nasceu em 1833 e faleceu em 1897. Sua vida decorreu calma, sem contratempos e dificuldades materiais. Graças ao auxílio, conselhos e ensinamentos que recebeu sucessivamente de Joachim, de Liszt e de Schumann, pôde ser bem recebido nas rodas musicais da época, conseguindo logo uma posição destacada, que lhe valeu uma existência tranquila e feliz. Sua obra é o reflexo da vida que viveu: calma e bem construída.
Ao contrário dos seus contemporâneos, Brahms preferiu para a expressão de seu pensamento musical as formas clássicas, como a Sinfonia, o Quarteto, etc., imprimindo à sua orientação musical uma diretriz técnica e estética que reflete a influência de Beethoven e mesmo, remontando mais na sua filiação artística, a de Bach. Razoavelmente pesado e complexo como todos os músicos caracteristicamente germânicos do fim do século XIX, esses aspectos da sua produção contribuíram bastante para que a popularidade de seu nome não fosse proporcional aos seus méritos. Entretanto, a arte de Brahms contém grandes belezas, que lhe dão um lugar de vivo realce na história da música. Distingue-se principalmente por um caráter de intimidade, de recolhimento, de gravidade emocional. Daí talvez o gosto dela pela música de câmara e a importância que ela assume no conjunto das suas obras.
Diz Karl Geiringer que a primeira obra orquestral de Brahms; o Concerto em Ré Menor, op. 15, para piano e orquestra, tem esta história: desejando compor uma Sinfonia, Brahms escreveu a projetada obra primeiro para dois pianos. Como o trabalho posterior de orquestração evidentemente fracassasse, porque de um lado “a orquestra lhe parecesse indispensável para a realização de suas ideias”, Brahms resolveu o impasse “moldando essas ideias na forma de um Concerto para piano orquestra”.
História semelhante têm as Variações sobre um Tema de Haydn, que iniciam a segunda parte do programa. Em 1873, em plena maturidade, Brahms curiosamente repetiu o processo de compor da sua juventude, escrevendo essas Variações primeiro para dois pianos e dando-lhes depois uma versão orquestral. É na sua primeira versão que apresentamos essa obra, a última das peças longas que Brahms escreveu para piano. Seu tema, a que se referem oito variações e um Final, é tirado de uma Partita escrita por Haydn para a banda das tropas do Príncipe Esterhazy, a quem servia. Brahms conheceu a Partita em 1870, por intermédio de Pohl, biógrafo de Haydn. Entusiasmando-se por ela, principalmente em razão dos instrumentos que utilizava, anotou seu segundo movimento num caderno onde registrava frases musicais de velhos mestres. A melodia que Haydn usou nesse segundo movimento, melodia que encantou Brahms e de que resultaram as brilhantes Variações para dois pianos, é provavelmente um velho canto de peregrinos, chamado “Coral de Santo Antônio”.

Fontes:
Karl Geiringer: “Brahms” (ed. ing.)
Comentário ao concerto* da D. P. M.

Brahms (Alemanha, 1833-1897): Variações sobre um tema de Haydn (para dois pianos)



Duração: 16:56

Weber

“Preparado pelos acontecimentos históricos e sociais do século XVIII, (…) o século XIX inicia, na história das artes e da literatura, uma nova fase conhecida como ROMANTISMO. Como quaisquer outras divisões históricas sempre mais ou menos arbitrárias, o Romantismo indica uma orientação geral em torno da qual se agrupam um número enorme de particularidades. Tal batismo lhe foi dado na Alemanha pelo poeta Goethe, aplicando-se, de começo, às correntes literárias surgidas com o século XIX.
Substituindo o equilíbrio do espírito clássico (de que musicalmente Haydn e Mozart foram os maiores representantes), por uma comoção e um desejo do monumental levados às vezes até a violência vizinha do mau gosto, três causas essenciais marcam o ponto de partida do Romantismo. A primeira constitui na queda das monarquias absolutas e no advento das democracias, preparados pelo movimento filosófico da última metade do século XVIII, culminando com o movimento político da Revolução Francesa e trazendo a consequente importância concedida ao povo. A música, perdendo a destinação aristocrática setecentista, passa a emanar do espírito popular, sempre sem meios-termos nas suas manifestações emotivas, e a se dirigir a ele. A segunda causa, em conexão íntima com a primeira, representava a reação contra o racionalismo excessivo do século que a si mesmo se chamara “século das luzes” - o século XVIII; contra a serenidade filosófica deste, contra o seu amor da forma perfeita e do espírito lúcido, que principiavam a degenerar, depois do seu período áureo, num amor frio da forma pela forma e num consequente academismo vazio, opunha-se então a imaginação rica, quente, tocando por vezes as raias do lúgubre e do patológico, e o descaso pela realização técnica da obra de arte, em proveito sempre crescente da comoção de fundo extra-artístico. A terceira causa, constituindo uma consequência das anteriores, é encontrada na progressiva exacerbação individualista, que levou o homem – depois do reconhecimento dos seus direitos, das suas capacidades, do seu valor na vida política das nações, da sua independência espiritual – a se considerar como que o centro do universo.
O Romantismo integral teve sua primeira manifestação na ópera. Pode-se dizer que o 'Freischütz' do compositor alemão Karl Maria von Weber (nascido em 1786 e falecido em 1826) marca o ponto de partida da nova orientação. Usando sistematicamente o elemento musical popular, empregando abundantemente o elemento fantástico tomado a lendas germânicas, Weber criou, com os Freischütz, a primeira ópera intrinsecamente alemã e integralmente romântica. O libreto de Kind, corrigido pelo próprio Weber, baseia-se em uma lenda que, recolhida por Apel e Laun, já fazia entretanto parte de uma coletânea publicada em 1729 com o título de 'Conversas do Reino dos Espíritos'. Um caçador sem habilidades faz um pacto com o demônio, para sair-se bem de uma prova de tiro e conquistar a mulher que ama. O demônio lhe entrega umas balas infalíveis, com a condição de que a última delas seja guiada pela sua vontade. Na lenda, essa última bala mata a noiva do caçador, que fica louco. Mesmo para um romântico isso devia ser trágico demais e Kind modificou o final, fazendo com que o tiro atinja Caspar, um cúmplice do demônio. A projeção nacional do Freischütz foi enorme, o povo acolheu calorosamente essa obra que representava uma desforra contra a popularidade da ópera italiana de Spontini. E na projeção internacional não ficou aquém da nacional. Entretanto, as duas outras óperas de Weber – Euryanthe e Oberon – foram mal acolhidas. Carlos, o sobrinho de Beethoven, contava ao grande surdo, nos Cadernos de Conversação, que andavam mudando o nome de Euryanthe para Ennuyante, isto é, cacete...
Weber foi a fonte onde beberam todos os operistas alemães posteriores a ele, até Wagner inclusive, e mesmo alguns estrangeiros. Com algumas restrições feitas a Euryanthe, que se ressente da inconsistência do libreto, as óperas de Weber são dramaticamente bem realizadas e ricas de conteúdo musical. Sua música instrumental apresenta igual mérito. As aberturas de Freischütz, Euryanthe e Oberon conservam até hoje o seu valor e a sua popularidade, tendo influído poderosamente sobre a música sinfônica posterior, inclusive de Mendelssohn e de Schumann”.

Fontes: Oneyda Alvarenga: “Música do Século XIX” (conferência inédita).
André Coeuroy: “Weber”, ed. 1925, p. 144 e s. (para o entrecho Freischütz).

Karl Maria von Weber (Alemanha, 1786-1826): Der Freischütz, Abertura
Berlin Philharmonic Orchestra, Wilhelm Furtwängler



Duração: 10:48

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* Aqui Oneyda Alvarenga deixou uma lacuna, sem preenchimento com o número referente ao concerto do qual retirou seus comentários.

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