Ouça a leitura desse concerto:

75º Concerto: Händel, Boccherini, Beethoven e Haydn

14 de janeiro de 1954
25 pessoas

1ª parte

Música instrumental europeia dos séculos XVI ao XVIII


Até o século XVI inclusive, a música europeia foi essencialmente vocal. Nesse século, entretanto, a música instrumental começou a desenvolver-se e, expandindo-se durante todo o século XVII, no século XVIII fixa definitivamente seu predomínio sobre a voz, mantido até nossos dias.
Um dos primeiros grupos de instrumentos a se desenvolverem foi a família das violas, instrumentos de corda e arco originados dos diversos tipos de vielas medievais. As violas, por sua vez, deram nascimento ao chamado grupo dos violinos, que compreende violino, viola, violoncelo e contrabaixo atuais. Ambos os grupos foram usados até o fim do século XVII. Dessa época em diante as violas vão aos poucos cedendo terreno aos violinos, até se eclipsarem definitivamente na segunda metade do século XVIII. Entretanto, o instrumento mais grave da família das violas, o baixo-de-viola, viola da gamba ou apenas gamba, (assim chamado por ser colocado entre as pernas do executante,) resistiu por mais tempo e mais fortemente que seus irmãos, custando a ceder o lugar ao seu descendente, o violoncelo. Um fator importante concorreu para o abandono das violas em favor dos violinos: os concertos em grandes salas, que acompanharam no século XVIII o início da importância da burguesia e arrancaram a música dos meios aristocráticos em que até então ela praticamente se confinara. Enquanto a música viveu na intimidade de salões elegantes, os ouvidos podiam contentar-se com a frágil e velada sonoridade das violas; mas os concertos dados em locais amplos para grandes públicos trouxeram consequentemente a necessidade de instrumentos de sonoridade mais brilhante e mais forte. As violas mantiveram ainda algum prestígio apenas na música executada na intimidade doméstica, continuando a ser consideradas “muito agradáveis” ao lado do cravo, instrumento de teclado que realiza uma espécie de transposição mecânica do sistema de dedilhação das cordas, isto é: suas teclas acionam dispositivos que, em vez de percutirem as cordas, como no piano, puxam-nas.
Apesar da veemência com que, em 1740, Hubert le Blanc defendeu a viola-da-gamba contra o violoncelo, “um pobre diabo destinado a morrer de fome, mas que hoje se gaba de que, em lugar de baixo-de-viola, receberá muitas carícias”; apesar das exigências desse doutor em direito, que censurava ao violino e ao celo não terem a delicadeza da viola e se transportarem, por isso, a “uma sala de espaço imenso, onde aconteceriam muitos efeitos tão nocivos à Viola quanto favoráveis ao Violino”; apesar do gosto desses seus admiradores renitentes, já em 1761 um autor francês anônimo podia dizer que a viola-da-gamba fora “inteiramente aniquilada” pelo violoncelo.
A primeira parte do programa de hoje busca mostrar, de modo muito rápido, o caminho que a música europeia percorreu desde a viola-da-gamba suave e pálida, até o pleno desenvolvimento do violoncelo de som robusto e expressivo, com um registro rico capaz de equivaler às três vozes masculinas de tenor, barítono e baixo.
Abre o programa uma Sonata de Handel*, a única que este genial músico alemão fixado na Inglaterra escreveu para a viola-da-gamba, É uma obra de mocidade, composta ao tempo em que Handel residia em Hamburgo, fase que vai de 1703 a 1706. A gravação é um documento rigoroso: para ela foram utilizados cravo e gamba da época. A viola-da-gamba que o disco nos mostra é um instrumento de Joaquim Tielke, contemporâneo de Handel em Hamburgo e o mais célebre fabricante alemão de violas.

Haendel (Händel, Alemanha, 1685-1759): Sonata para viola da gamba e cravo



Duração: 13:21


O segundo número é uma Sonata para celo, de Luigi Boccherini, compositor italiano nascido em 1743 e falecido em 1805. Boccherini, virtuose do violoncelo, é considerado “um dos pais da música para esse instrumento”. Até a segunda metade do século XVIII, até a época de Boccherini, portanto, a função do celo era quase exclusivamente a de acompanhador, de executante dos baixos harmônicos, função frequentemente exercida ao lado do cravo. Apesar de grandes exceções anteriores, como as seis Suítes para violoncelo sem acompanhamento, escritas por João Sebastião Bach, é a partir de Boccherini e seus contemporâneos que o violoncelo se fixa como instrumento solista e como um dos instrumentos principais da música de câmara e orquestral. A Sonata de Boccherini, que apresentaremos, pode ser considerada, pois, um exemplo dos primórdios da literatura para o instrumento que iremos encontrar, em plena expansão de seus recursos sonoros e expressivos, na Sonata op. 69 de Beethoven, publicada em 1809, com a qual encerramos esta primeira parte do programa.**

Boccherini (Itália, 1743-1805): Sonata em Dó Maior, nº 2



(Minutagem: 01:03:22 a 01:14:30)
Duração: 11:08


Beethoven (Alemanha, 1770-1827): Sonata em Lá Maior, nº 3, op. 69



Duração: 26:06


2ª parte

Haydn

O compositor austríaco Franz Josef Haydn, nascido em 1732 e falecido em 1809, é um dos grandes músicos da segunda metade do século XVIII. Utilizando, coordenando e enriquecendo experiências anteriores, Haydn é um dos fixadores da forma-de-Sonata, de estrutura da Sinfonia, da orquestra moderna e o estabelecedor das bases em que o quarteto de cordas se mantém até agora. Na música instrumental reside, pois, a parte maior e melhor do gênio criador de Haydn e sua contribuição essencial para a história da música.
Certamente porque ele próprio não era um virtuose, e ainda porque fossem outras as exigências que cercavam sua vida de músico a serviço de nobres, o número dos concertos que Haydn escreveu é pequeno, se comparado a outros setores da sua obra enorme. Enquanto, por exemplo, suas Sinfonias são 104 e seus Quartetos 83, o total dos seus Concertos para diversos instrumentos é de aproximadamente duas dúzias, número em que se incluem, além disso, algumas obras de autenticidade duvidosa.
Além de ser o mais conhecido dos 5 Concertos que Haydn escreveu para instrumentos de corda-e-tecla, o Concerto em Ré Maior, incluído em nosso programa de hoje, forma com o Concerto em Ré Maior, para violoncelo, o par das mais famosas composições que Haydn destinou a instrumento solista e orquestra.
O Concerto em Ré Maior, para cravo, foi publicado em 1784. É uma deliciosa joia, rica daquelas qualidades de graça, leveza e alegria que caracterizam a obra de Haydn. A importância concedida ao cravo solista é perfeitamente contrabalançada pelo tratamento da orquestra, que não se limita à função de simples acompanhadora e torna este Concerto talvez o mais perfeito que Haydn escreveu. Seu momento mais importante é por certo o delicioso Rondó à Húngara, onde a vivacidade do cravo plenamente se expande e cintila numa profusão de ornamentos.

Haydn (Áustria, 1732-1809) Concerto em Ré Maior, op. 21, para cravo e orquestra



Duração:19:42

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* Algumas vezes Oneyda Alvarenga adota a forma “Haendel”, para registrar o nome do compositor; outras, “Handel”.
** O final do texto que acompanhava primeira parte desse programa, concernente a Beethoven, não foi localizado, no Arquivo do Centro Cultural São Paulo.

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