Ouça a leitura desse concerto:
07 de janeiro de 1954
26 pessoas
1ª parte
Paul Dukas
O compositor francês Paul Dukas nasceu em 1865 e faleceu em 1935. Seus estudos de música foram feitos no Conservatório de Paris, onde ingressou em 1882 e teve como professores Dubois e Guiraud. Foi professor de composição, desse mesmo Conservatório.
Tendo recebido influências várias, Paul Dukas soube acomodá-las à sua própria personalidade, criando uma música perfeitamente individual, em que o estilo claro e polido se manifesta através de grande firmeza técnica e maestria no tratamento orquestral. "Toda a música de Dukas - comenta Jean Aubry – é animada por um desejo constante de movimento. (...) Nenhuma outra música afirma mais decisivamente o prazer do movimento. (...) Todavia a animação não é febril. Embora moderna, sua música escapa à inquietação de nossos dias. Não há nada mais sereno, apesar da sua vida prodigiosa. Suas páginas se nos revelam em todo o esplendor de sua frescura e assumem já, sob certos aspectos, a tranquilidade das coisas do passado".
Das obras de Dukas, cujo número é relativamente pequeno, as mais importantes são as duas óperas "Ariana e Barba Azul" e "La Péri". "O Aprendiz de Feiticeiro", que abre nosso concerto de hoje, é anterior a essas óperas. Composto em 1897, marcou o sucesso internacional de Dukas. Dukas chamou a essa obra de "Scherzo", não porque ela obedeça à forma musical do Scherzo, mas em razão do sentido original da palavra, que é o de "brincadeira".
"O Aprendiz de Feiticeiro" baseia-se numa célebre balada de Goethe, cujo assunto é mais ou menos este:
Aproveitando-se da ausência do mestre, o discípulo de um velho feiticeiro quis pôr em prática alguns dos ensinamentos recebidos. Sabedor dos efeitos mágicos que certas palavras produziam sobre uma vassoura encantada, ele as profere. Incontinenti, a vassoura começa a executar as suas ordens, enchendo baldes de água e despejando-os no laboratório do feiticeiro, para lavá-lo. Quando a água depositada no laboratório já estava quase a inundá-lo, o malogrado aprendiz percebeu, aflito, que não sabia a fórmula mágica que obrigaria a vassoura a interromper a sua faina. Num ímpeto, toma de um machado e parte a vassoura em dois pedacos, piorando ainda mais a situação: cada uma das partes em que a vassoura foi dividida trazia baldes d'água, contribuindo assim, em dobro, para inundar ainda mais o laboratório, já quase totalmente submerso nas águas. Nesse instante surge providencialrnente o velho mestre que, com uma só palavra, num abrir e fechar de olhos, faz parar a vassoura e repõe tudo em seus lugares.
A descrição musical é conduzida com clareza e vivacidade. "Dukas demonstra sua excepcional capacidade descritiva nesta obra. A música viva retrata os detalhes da história, que uma vez conhecida, poderá ser acompanhada sem dificuldade, pelo seu desenvolvimento musical".
A peça é iniciada com um ar de mistério, e o tema nos violinos sugere o aprendiz de feiticeiro. Uma passagem nas madeiras lembra o ousado rapaz proferindo as palavras mágicas à vassoura. São os fagotes que descrevem os movimentos da vassoura, nos seus vai-véns da fonte, com os baldes, e sua atividade redobrada ao ser bipartida pelo machado.
Entretanto, Dukas emprega o argumento apenas com um intuito de pitoresco e a peça vale não pela sua descrição feliz, mas pelas suas qualidades intrinsecamente musicais.
I - Paul Dukas, (França, 1865-1935), L'Apprenti Sorcier
Duração: 11:17
Vivaldi - Bach
As gravações do Concerto de Vivaldi e sua transcrição feita por Bach são acompanhadas de um excelente comentário do grande musicólogo alemão Curt Sachs, que vamos traduzir e sintetizar:
"A Renascença e o Humanismo opuseram ao espírito coletivista da Idade Média o culto do homem, do personagem notável. Esse individualismo atingiu seu apogeu nos séculos XVII e XVIII e se manifestou, na música, pela importância que adquiriram o compositor e sobretudo, como intermediário da obra-de-arte, o executante.
Até 1600, aproximadamente, cantores e instrumentistas tinham feito parte de pequenos conjuntos, nos quais seu valor pessoal era indispensável para o êxito da execução, mas em que nenhum deles desempenhava um papel predominante. Tinham se conservado até então os humildes e devotados servidores da obra-de-arte.
O século XVII destruiu essa unidade. Criou uma música coral e orquestral, no sentido moderno dessas palavras, e uma música para solistas acompanhados. A música de câmara constituiu o traço de união entre esses dois gêneros. À medida que a importância do executante médio diminuía, a importância do solista aumentava. Daí em diante, iria haver artesãos e virtuoses.
Essa evolução anunciou-se primeiro no domínio do canto.
Na música instrumental, menos amada do público, tal mudança operou-se mais lentamente e assumiu aspectos perfeitamente toleráveis. (....) No fim do século XVII, o princípio do solista acompanhado se impôs até a orquestra, com o concerto.
Em 1698, Torelli e Albinoni escreveram os primeiros concertos para violino e orquestra; o veneziano Antonio Vivaldi, que viveu aproximadamente entre 1678 e 1743, deu-lhes sua forma clássica.
Nas centenas de concertos que Vivaldi compôs encontram-se, desde os primeiros, três movimentos: dois Allegros enquadrando um Larghetto de caráter lírico. Os Tutti, isto é, o conjunto instrumental, formam o principal elemento, ao passo que os Solos ligam as diferentes entradas da orquestra por meio de divertimentos muito livres e muito límpidos.
Esses concertos favoreceram a difusão dos novos estilos italianos da orquestra e do violino. O próprio Vivaldi era um violinista de primeira ordem que formou grandes virtuoses e em 1724 foi chamado a Roma pelo papa, que desejava ouvi-lo. Por outro lado, Vivaldi tornou o conjunto do orfanato de moças, chamado Conservatorio della Pietà, numa orquestra modelar e célebre.
Nenhum país se inspirava mais fortemente nesse gênio tríplice do que a Alemanha. Durante mais de trinta anos, os concertos de Vivaldi foram a pedra-de-toque do violinista; e em mais de uma biografia de músicos da época de Bach, vê-se quanto esses artistas se empenhavam em trabalhar esses concertos .
O próprio Bach se interessou por eles. Embora soubesse tocar violino, o instrumento de Bach era o cravo. E um fato curioso sucedeu, então: os concertos de Vivaldi, inspirados pelo gênio do violino e destinados ao seu serviço, transformaram-se nas mãos de Bach em obras para cravo solista. O mestre encontrou neles tanto encanto puramente musical, que traduziu vários na língua do seu próprio instrumento. Essas transcrições seriam verdadeiras 'partituras para piano', como hoje se diz, se Bach, aproveitando-se da liberdade que em seu tempo reinava nas questões de arte, não tivesse introduzido algumas modificações nesses concertos, cada vez que o caráter do instrumento as exigia ou que encontrava uma simplicidade exagerada.
Apresentando ao mesmo tempo um dos concertos de Vivaldi, primeiro na sua versão original para violino e orquestra, depois na versão para cravo solista, de J. S. Bach, damos a nossos ouvintes ocasião de comparar dois estilos nacionais, através de dois grandes mestres.
É assim que Bach sublinha a grandeza patética do prólogo, tão solene. Dá maior importância e atividade aos baixos, todas as vezes que Vivaldi, exclusivamente preocupado com a melodia, se limita à repetição monótona da mesma nota. Mais para o fim, embora conservando estritamente a estrutura da obra original, Bach transforma a dureza do violino acompanhado pela orquestra, num maravilhoso fogo de artificio que, embora ditado pelo espírito do cravo, parece dar à concepção de Vivaldi sua forma ideal e definitiva.
O talento extraordinário com que Bach pôde devotar-se ao estilo muito heterogêneo de Vivaldi, permite-nos distinguir bem o que, nesse estilo, é acessório e o que constitui sua verdadeira natureza. O lado acessório foi o que Bach reajustou: a magreza da escritura. Mas o essencial ficou intacto e forma uma ilustração magnífica do novo estilo italiano: o movimento não é mais mantido pelas entradas sucessivas das partes polifônicas ou pela simetria das formas de dança; é inteiramente tecido pela evolução dum motivo curto, desenvolvido sem grandes cuidados, mas com uma leveza e um ímpeto sem iguais."
II - a) Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto em Ré Menor, para violino e orquestra (com clavicímbalo)
Duração: 10:30
b) Bach (Alemanha, 1685-1750), Concerto para clavicímbalo, sem acompanhamento (transcrição do concerto anterior de Vivaldi)
Duração: 14:44
2ª parte
Mendelssohn
Felix Mendelssohn-Bartholdy nasceu em 1809 e morreu em 1847. É um dos representantes mais legítimos do romantismo musical germânico. Seus "romances sem palavras", escritos para piano, são verdadeiros lieder e representam uma das expressões genuínas da alma simples, ingênua e folgazã dos alemães.
Mendelssohn é um romântico influenciado por Mozart e Weber. Daí, talvez, a vivacidade de seu estilo e o aspecto nacional da sua obra. Junte-se a esta influência clássica e pré-romântica o estado de espírito peculiar ao tempo, e teremos o Mendelssohn brilhante e ágil, dotado de uma invenção musical essencialmente melódica, em que repontam alguns longes de banalidade, e bem eivado de uma melancolia sutil e procurada, muito ao gosto da época.
Sua escritura musical é antes de tudo pianística. Caracteriza-se pela clareza, pelo equilíbrio e pela maneira elegante, que lhe vieram da formação clássica. Estas qualidades ele as demonstrou também quando fez música instrumental, de câmara e para coros. Introduziu na forma clássica da sinfonia modificações senão profundas e definitivas, pelo menos interessantes e caracterizadoras do aspecto romântico de sua sensibilidade artística: seus Allegros são verdadeiros lieder pela forma; seus Andantes se assemelham a "Romances sem palavras", e os Scherzos e Minuetes, como nas Sonatas para piano, são largamente desenvolvidos .
Em nosso programa desta noite, incluímos a "Sinfonia Reforma". "Sua primeira execução foi regida pelo próprio Mendelssohn, num concerto beneficente realizado em Berlim em 1832.
O início desta Sinfonia é marcado pela entrada calma e sucessiva dos instrumentos. Por muito tempo os violinos se calam, só aparecendo antes da explosão do Allegro, apenas para cantar duas vezes uma curta e expressiva cantilena de cinco notas.
No Allegro vivace os violoncelos entoam, com frequência, frases muito características da invenção melódica de Mendelssohn.
Ao Andante que inicia o último movimento segue-se o coral de Lutero 'Nosso Deus é uma possante fortaleza', apresentado sob a forma de um coro instrumental, exposto primeiro pelas madeiras, às quais logo se juntam os metais, coro que lembra os sons de um órgão. O coral reaparece no fim do Allegro, como uma apoteose".
Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Sinfonia em Ré Maior, nº 5, op. 107, “Reforma”.
Duração: 29:24