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70º Concerto de discos – Gershwin e Kodály

10 de dezembro de 1953
13 pessoas

1ª parte

George Gershwin

A 1ª parte de nosso concerto de hoje apresenta alguns trechos da ópera "Porgy and Bess", uma das obras mais importantes de George Gershwin, moderno compositor norte-americano, nascido em 1898 e falecido em 1937. Como vários outros compositores de seu país, Gershwin aproveitou as características e recursos do jazz, criando dentro deles as suas primeiras obras de vulto e que lhe granjearam popularidade internacional: primeiro a "Rhapsody in Blue” que, na opinião de um crítico, "possui todos os defeitos que se podem esperar de uma obra experimental - prolixidade, falta de autocrítica, estrutura incerta, mas que também revela genuíno dom melódico e um senso harmônico individual e picante, que imprime originalidade ao seu ritmo"; e depois o "Concerto em Fá", para piano.
Os processos e a técnica do jazz também estão presentes em "Porgy and Bess", mas já tratados de maneira mais sóbria que nas obras anteriores. O que Gershwin levou essencialmente para "Porgy and Bess" foi a música popular rural dos negros americanos, e baseando-se em tal fonte e tal ambiente conseguiu criar, pelo consenso unânime, a primeira ópera nitidamente norte-americana.
Gershwin acalentou muito tempo a ideia de escrever uma ópera americana. Andou à procura de assuntos adequados, até que se fixou numa peça de Du Bose Heyward, que "o comovera por seu sabor norte-americano, sua simplicidade e seu pitoresco". A peça relatava o amor de Porgy, um negro mendigo de Charleston, Carolina do Sul, pela moça Bess.
Para dar à obra tratamento adequado, Gershwin transportou-se para uma ilhota perto de Charleston e próxima de um povoado de negros, onde tomou contato com a música e o ambiente negros da região. O trabalho de composição e orquestração da ópera durou quase dois anos e ''Porgy and Bess" foi levada à cena pela primeira vez em Boston, em 1935, com grande sucesso, sucesso que entretanto não se repetiu na primeira apresentação da ópera em Nova York, feita logo após.
O verdadeiro reconhecimento da importância de "Porgy and Bess" na música norte-americana data das suas representações em São Francisco e Los Angeles, em 1938. Com seus defeitos e qualidades, seu valor musical irregular e suas falhas no tratamento do drama, "Porgy and Bess" recebeu esta apreciação justa do compositor e crítico americano Virgil Thompson: "Talvez Gershwin não saiba o que seja uma ópera, apesar disso, 'Porgy and Bess' é uma ópera, e de grande vigor. Daí resulta que ela é, na vida artística norte-americana, um acontecimento de mais importância do que tudo quanto a Metropolitan Opera House possa ter realizado em favor do autóctone".
Gershwin classificou "Porgy and Bess" como "ópera popular" e se explicou deste modo: "Perguntam-me porque a chamo assim. A explicação é muito simples: Porgy and Bess é um conto popular. Seus personagens, como é natural, devem cantar música popular. Quando comecei a trabalhar na partitura, pronunciei-me contra a utilização do material popular original, porque desejava que a música possuísse unidade. Por isso compus meus próprios espirituais e canções populares. Apesar disso, continuam sendo música popular; e em consequência, dada sua forma de ópera, Porgy and Bess não é senão uma ópera popular".
Uma ópera popular, por certo, "emanada de gritos de rua, blues e cantos das plantações de negros", como disse J. Rosamund Johnson; e, como sentiu David Ewen, uma ópera "com toda a beleza simples, o terno humanismo, a ansiedade e o pathos da grande arte popular".1

Gershwin (1898-1937): Porgy and Bess



Duração: 01:55:26



Duração: 01:04:30

2ª parte

Zoltán Kodály

Estamos, na segunda parte de nosso concerto de hoje, em face de um compositor húngaro de grande importância: Zoltán Kodály, que aliou ao seu trabalho de criação musical uma fertilíssima atividade de pesquisador da música folclórica de seu país, pesquisas a que foi conduzido pelo exato reconhecimento de que nenhuma escola nacional poderá florescer se não estiver fortemente presa à alma popular e às suas manifestações.
Zoltán Kodály, como escreveu Béla Bartók, "possui uma forte e fácil invenção melódica, um completo domínio da construção sonora e uma certa tendência para a desintegração e para a melancolia". Sua individualidade é predominantemente contemplativa. "Embora seja essencialmente, em espírito, um músico moderno e sua música seja vibrantemente contemporânea, Zoltán Kodály nãe é, no sentido estrito da palavra, um compositor revolucionário". Mas embora sem abandonar certos princípios, Zoltán Kodály soube criar uma música nova, original e viva.
Entre as principais obras de Kodály está a ópera Háry János, com alguns trechos da qual ele organizou uma suíte. Háry János, um velho soldado, é uma figura lendária e quixotesca da Hungria. Em uma vilazinha ele relata, diante de ouvintes bobificados as fantásticas aventuras de que foi herói na época napoleônica:
Maria Luiza, esposa do grande conquistador, viajava de Viena para Paris e em caminho encontra-se com Háry János, apaixona-se imediatamente por ele e deseja à viva força levá-lo consigo. Mas o velho soldado, fiel à sua namorada Orze, concorda em ir somente na companhia desta. A popularidade de Háry János, talvez perigosa à ambição napoleônica, faz com que o Corso declare guerra à Áustria, com o fim evidente de destruir o velho soldado húngaro. No campo de batalha Háry János dá mostras de uma valentia extraordinária, pois com simples golpes de espada destrói esquadrões e esquadrões de inimigos. Todos tremem diante dele e o próprio Napoleão, atemorizado pela sua força, recua pedindo-lhe paz.
Então Maria Luiza, diante da atitude covarde de seu augusto esposo, se apaixona ainda mais por Háry János e insiste mesmo em se casar com ele. No entanto o herói, vendo-se tão importante e unanimemente reconhecido como um conquistador, recusa a mão que Maria Luiza lhe oferece, e entra triunfalmente em Viena. Homenagens lhe são prestadas por todos, até pelos parentes de Napoleão. Banquetes em mesas de ouro com peças de prata lhe são oferecidos. Mas o herói não é feliz. Falta-lhe alguma coisa que não sabe bem qual seja, até que surge Orze, sua namorada, que se lança a seus pés. Háry János percebe, então, que sem ela não poderia ser feliz e num gesto de grandeza moral renuncia à glória do trono, e volta feliz para sua vila natal. Esta é a história que Háry János conta àqueles que o escutam, e de que a suíte apresenta alguns aspectos:
No primeiro disco, o velho soldado, que vai contar sua história toma, como se diz, o pulso do auditório, e começa calma e despreocupadamente a narrá-la. Entusiasmado pela grandeza de suas próprias aventuras, acelera o ritmo da narrativa, maravilhosamente traduzida pela orquestra.
O segundo movimento apresenta o herói diante do famoso relógio da Praça Imperial de Viena. O caráter militar deste trecho sugere o movimento dos pequenos soldadinhos que aparecem e desaparecem, com a rotação do maquinismo do relógio.
No terceiro movimento, Háry János e sua Orze pensam na aldeia natal. Um solo de viola imprime a este trecho uma doçura, uma calma de pôr de sol, um ambiente bucólico admiráveis.
O quarto movimento apresenta a batalha e derrota de Napoleão. O ritmo batido das marchas e os toques que ordenam o movimento das tropas, indicam seu avanço. As duas facções em luta se encontram. Trava-se a batalha, e a vitória pende para Háry János, que se vê no final frente à frente com Napoleão; atemorizado diante da força adversária, Napoleão cai de joelhos diante do herói, pedindo-lhe misericórdia. A orquestra pinta o abatimento moral do grande corso num movimento lento, e um saxofone imprime a este trecho um ar melancólico, cheio de humilhação.
Um intermédio belíssimo, de uma música realmente húngara, interrompe por instantes o objeto da suíte, para logo nos conduzir ao último movimento, que descreve a entrada triunfal do Imperador e sua corte em Viena.*

Kodály (1882-1967): Suíte Háry János*



Duração: 24:33

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* Após o texto, há um manuscrito, talvez de Sonia Stermann: “Fonte: 'George Gershwin' - de David Ewen.
** Repetição do 25º Concerto de Discos.

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