Ouça a leitura desse concerto:
19 de novembro de 1953***
6 pessoas
1ª parte
Gabriel Fauré
Três grandes compositores franceses estão representados em nosso concerto de hoje: Gabriel Fauré, Duparc e D'Indy.
Gabriel Fauré, nascido em 1845 e falecido em 1924, é um exemplo de tenacidade. Dotado de um senso musical notável, em menino já improvisava ao harmônio. Niedermeyer, fundador da célebre escola parisiense de música que recebeu seu nome, realizando concertos pelo interior da França, teve, certa vez, ocasião de ouvir o menino Fauré e, encantado com a sua aptidão musical, levou-o a Paris, onde cuidou de sua educação. Na Escola Niedermeyer, à que a moderna música francesa muito deve, Fauré foi aluno de Saint-Saëns, que influiu poderosamente na sua formação artística e mesmo moral. Um dos primeiros sonhos de Fauré era ser organista da Igreja da Madalena, em Paris. Esse sonho se realizou em circunstâncias curiosas: Fauré, que assumira o lugar de organista na catedral da cidade de Rennes, um belo dia foi despedido pelo cura, por haver fumado na porta da Igreja durante um sermão, falta agravada pelo fato dele ter passado uma noite inteira num baile, e comparecendo à missa com a mesma roupa e gravata com que acabara de sair da dança, o que escandalizou o sacerdote. Estes fatos desagradáveis concorreram para que Fauré deixasse Rennes e se dirigisse a Paris, onde ocupou vários cargos de organista em diversas Igrejas, até que em 1896 se realizou o que almejava: tornou-se organista da Madalena. Sendo de uma honestidade artística admirável, preferiu romper com sua noiva, porque sua futura sogra queria que ele compusesse peças para teatro, o que era contrário às suas tendências. Já D'Indy dissera que o maior apanágio de um artista é a liberdade e Fauré confirmou com sua vida e obra a afirmação daquele músico ilustre. Sua atuação como professor não precisa ser comentada. Basta relembrar, entre os nomes ilustres da música moderna, os dos seus discípulos: Maurice Ravel, Florent Schmitt, Louis Aubert, Carlos Koechlin, etc... Fauré é um dos preparadores da música atual. A razão do aspecto sempre novo e singular de sua arte se prende à sua formação inicial, fortemente impregnada da música gregoriana, isto é, da música oficial da Igreja católica. Fauré se aproveitou dos elementos técnicos do Gregoriano, e com eles compôs peças em estilo extremamente livre, de uma clareza de expressão e de uma simplicidade maravilhosa. Pela pureza e limpidez do seu pensamento musical, já o compararam mesmo a Mozart. Como a de Mozart, a música de Fauré tem "graça, sutileza, encanto, força e virilidade". Fauré compôs música sinfônica e peças para piano, mas o lado mais importante de sua bagagem musical é constituída pelas suas canções e principalmente pela música de câmara.
A "Sonata em Lá Maior, op.13, nº 1", para violino e piano, foi escrita por Fauré em 1876 e executada publicamente pela primeira vez em 1878. Apesar de ser o primeiro ensaio do autor na música de câmara, essa sonata, pela sua construção, pela sua beleza e pela sua originalidade, é considerada uma obra de mestre e o primeiro marco importante na carreira musical de Fauré.
A energia mesclada de tranquilidade e ternura do 1º movimento; a graciosidade baloiçante e suavemente melancólica do Andante; a leveza do 3º movimento, um scherzo que cintila em passagens rápidas e saltitantes "pizzicati"; o calor apaixonado do último movimento, por vezes "declamatório e quase violento, lembrando uma improvisação cigana", - mostrarão ao ouvinte que, como bem acentuara o compositor francês Florent Schmitt, esta sonata de Fauré "marca um dia de festa na história da música de câmara".
(“Cobbett's cyclopedic survey of chamber music”)*
Fauré (França, 1845-1924), Sonata em Lá Maior, nº 1, op. 13, para violino e piano
Duração: 23:20
Duparc
Henri Duparc, nascido em 1848 e falecido em 1933, foi aluno de César Franck. Duparc muito tarde começou a se dedicar à música, que abandonou logo, em consequência de uma inibição proveniente de neurastenia. Pouco produziu, mas seu lugar na música francesa é brilhantemente marcado pelas admiráveis canções que compôs, das quais as três apresentadas pelo nosso programa são as mais famosas: "La vie Antérieure”, versos de Baudelaire; "L'Invitation au voyage"; "Phydilé" poesia de Léconte de Lisle. Em "La vie Antétieure" a melodia, sustentada a princípio por duas notas que se repetem com insistência, se desenvolve grave, triste e evocadora, impregnada de rara beleza. Aos poucos volta a calma inicial e com ela as duas notas sombrias, que parecem exprimir algum sentimento íntimo. Em "L'Invitation au voyage", a parte desenvolvida pelo piano é tão sutil e tão bem trabalhada, que imprime à canção um ar de conversa familiar. Já em "Phydilé" a orquestra possui um colorido e força expressiva discretos e equilibrados, mas intensas e comoventes.
Duparc (França, 1848-1933), La vie antérieure**
Duração: 04:35
Le Invitation au Voyage**
Duração: 03:58
Phidylé**
Duração: 05:45
2ª parte
Vincent D”Indy
Vincent D”Indy, nascido em 1851 e falecido em 1931 foi também aluno do grande César Franck, compositor de origem belga que representou um papel importante na renovação da música francesa contemporânea. D'Indy revela nas suas obras a influência de Wagner e a de seu mestre, cuja causa artística serviu com um amor e uma dedicação admiráveis, tornando-se, depois da morte de César Franck, uma espécie de seu testamenteiro artístico. Assim é que ele, admirável professor, fundou a Schola Cantorum de Paris, destinada especialmente a reviver e cultivar a música religiosa.
Essas influências, entretanto, não tiram o caráter pessoal de sua música, à qual preside um grande amor da unidade estrutural, do equilíbrio da construção sonora, acompanhado da religiosidade espiritual, que ele tinha em comum com César Franck. D'Indy era, além do mais, um ser que acreditava fervorosamente no destino superior da arte, que só a consciência dos seus deveres morais e sociais tornam um artista verdadeiramente grande. Em consequência, a música assumiu para ele quase o aspecto de um apostolado.
A produção mais importante de D'Indy é toda para orquestra, e aqui ele demonstra ser possuidor de uma técnica perfeita e de uma expressão original extremamente rica em efeitos instrumentais, como o demonstra a peça "Istar", variações sinfônicas, que vamos ouvir.
Vincent D'Indy (França, 1851-1931), Istar, op. 42**
Duração: 13:19
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* Anotação manuscrita de Oneyda Alvarenga.
** Repetição do 9º Concerto de Discos.
*** A categoria Música do Século XX não foi aqui atribuída a este concerto, porque, embora todos os três compositores franceses tenham nascido na primeira parte do século XIX e morrido na segunda metade do século XX, todas as músicas selecionadas por Oneyda Alvarenga foram compostas no século XIX.