Ouça a leitura desse concerto:

66º Concerto: Lully, Monteverdi, Purcell…

12 de novembro de 1953
14 pessoas

1ª parte

Ópera do Século XVII

Nascido das tentativas de ressurreição da tragédia grega intercalada de música, a Itália vê aparecer em Florença, no século XVII, o Melodrama. Os primeiros exemplos importantes de peça teatral acompanhada de música surgem em 1590, com duas obras escritas por Emilio del Cavalieri, em colaboração com a poetisa Laura Guidiccioni: "O Sátiro" e "O desespero de Fileno". Abandonando a polifonia em uso até então, pela melodia com acompanhamento, Emilio del Cavalieri é o iniciador do chamado estilo recitativo. O estilo recitativo consistia numa declamação musical do texto, em que a linha melódica se moldava às características fonéticas dos versos, buscando ao mesmo tempo realçar-lhes o conteúdo expressivo.
Esse estilo encontrou seus vulgarizadores e fixadores em Jacó Peri e Julio Caccini. Peri e Caccini, musicando cada um deles o mesmo texto - a "Euridice" do poeta Otavio Rinuccini -, estabelecem definitivamente, em 1600, as bases do melodrama, que daria mais tarde com Claudio Monteverdi o seu primeiro grande gênio e o maior compositor do gênero que a Itália apresenta no século XVII. Se o recitativo dos seus antecessores perdia pela secura, pela excessiva prisão ao valor fonético das palavras, o de Monteverdi se desenvolve livre e largo, buscando mais o comentário emocional do texto. Os instrumentos, que dantes tinham função pequena no melodrama, recebem com este compositor um forte impulso, passando a participantes da ambientação geral da ação dramática. Monteverdi estabelece o uso das peças sinfônicas para iniciar a representação e dos intermédios instrumentais ligando cenas. Com ele surgem também as primeiras tentativas da ária. E sobre seus melodramas perpassa um largo sopro expressivo, uma poderosa e comovedora onda de paixão.
Da Itália o melodrama se alastra por toda a Europa. Se a Alemanha vive até bem tarde apenas da ópera italiana de importação, e a Inglaterra luta dividida entre a influência francesa e a influência italiana (luta essa que se reflete na produção de Purcell, o maior gênio musical da Inglaterra e autor da primeira ópera verdadeira aparecida no país - Dido e Enéas) - a França cria na segunda metade do século XVII um teatro musical de características perfeitamente nacionais.
Iniciada por Perrin, a ópera francesa fixa o seu espírito e a sua estrutura particulares com o gênio do italiano afrancesado João Batista Lully. Baseando-se no amor francês pela dança, Lully cria a sua ópera-bailado, em que, além da importância do elemento coreográfico, o coro e a orquestra aparecem grandemente valorizados. Lully, dominando musicalmente a corte de Luiz XIV, contava com elementos que lhe permitiam a utilização desses recursos de alta importância dramático-musical.
Iniciaremos a parte do nosso programa dedicada à ópera do século XVII, com o "Minuete das sombras felizes" da ópera Prosérpina estreada em 5 de fevereiro de 1680. É um trecho instrumental que mostra a delicadeza graciosa e inteiramente francesa do seu autor. Embora pequena, a orquestra é manejada com maestria e firmeza. "A marcha dos sacrificadores" - para orquestra, coro e solistas, faz parte de "Cadmus et Hermione", tragédia do poeta Quinault que Lully musicou, estreada em 1673. A versão que apresentamos é um arranjo do compositor francês, nosso contemporâneo, Henri Prunières. Neste belo trecho, cheio de vigor, o coro e a orquestra têm um papel importante, mostrando-nos assim uma das características da ópera francesa.
Monteverdi aparece em nosso programa com o recitativo "Ahi sventurato amante", maravilhoso fragmento do "Orfeu". Datado de 1607, Orfeu foi escrito por Monteverdi logo após a morte da esposa, este lamento que ouviremos traz marcas fundas da dor pessoal do músico.
"When I am laid in earth", ária de Dido agonizante, é um trecho justamente famoso da ópera "Dido e Enéas" de Purcell. O grande mestre inglês revela largamente a sua musicalidade, que já compararam à de Mozart, nesta ária tão fundamente expressiva e comovedora.

“Ópera do Século XVII”:

Lully (França, 1632-1687):
Menuet des ombres heureuses* - Orquestra regida por Maurice Cauchie




Duração: 02:32:16

Lully (França, 1632-1687):
Cadmus et Hermione*



Duração: 01:58

Monteverdi (Itália, 1567-1643)
Orfeo: ahi sventurato amante



Duração: 01:00

Purcell (Inglaterra, 1659-1695)
Dido and Aeneas



Duração: 55:26

2ª parte

Chopin - Mazurcas

A Mazurca - em polonês "Mazur" - é uma dança nacional polonesa, à qual se ligava, de início, também o canto. Deve o seu nome à província de Mazurie, de onde é originária e de onde se espalhou por toda a Polônia, desde o século XVI, destronando outras formas coreográficas, como a Cracoviac.
De caráter melódico quase sempre áspero, a mazurca é em compasso de 3 tempos com acentuação mais forte no terceiro tempo, sobre o qual terminam geralmente as frases melódicas. Os dançarinos marcam seu ritmo batendo com o salto do sapato no chão. A forma da Mazurca é, em geral, a duas partes.
Músico profundamente ligado à sua terra, Chopin é o criador da forma artística da Mazurca, que ilustrou com 52 composições marcadas com larga poesia do seu gênio.
Ouviremos hoje algumas dessas peças:
A Mazurca em Si menor op. 33 nº 4 é triste e terna. De início, um diálogo se estabelece entre a região grave e a aguda, diálogo que se resolve pela entoação da mesma frase por ambas as partes. Esse movimento se repete por toda a peça.
A Mazurca em Si Bemol menor op. 24 nº 4 apresenta um ritmo mais nitidamente coreográfico, mais marcado e vigoroso, sem deixar de ser também delicada e aristocrática.
A Mazurca em Dó Sustenido menor op. 41 nº 1, de movimento rápido, tem uma melodia límpida e tristonha.
De uma grande firmeza, a Mazurca em Dó Sustenido menor op. 63 nº 3 revela profunda melancolia, um amargo desconsolo.

Chopin (Polônia, 1810-1849):

Mazurcas:

Mazurca em Si Menor, op.33, nº 4***



Duração: 05:38

Mazurca em Si Bemol Menor, op. 24, nº 4***



Duração: 05:09

Mazurca em Dó Sustenido Menor, op.41, nº1***



Duração: 03:32

Mazurca em Dó Su­stenido Menor, op.63, nº3***



Duração: 02:29

3ª parte

Ravel

Entre os grandes nomes da música francesa contemporânea, conta-se o de Maurice Joseph Ravel (1875-1937). Dono de uma sensibilidade cheia de delicadeza, Ravel, pela sua obra equilibrada e discreta, que alia o amor esclarecido do passado às tendências modernas, é geralmente considerado um neoclássico.
Entre a sua admirável produção, Ravel conta com muitas peças para piano, instrumento com o qual teve os primeiros contatos aos seis anos de idade. Suas composições pianísticas, de um intenso refinamento, ligam-se à grande tradição dos cravistas franceses do século XVIII. E de tal modo elas são importantes, que Camille Mauclair afirmou que poderiam ser consideradas como o ponto de partida de uma nova era da música para piano. Quanto à orquestra, Ravel deve um pouco aos músicos russos, principalmente a Rimsky-Korsákov. Conhecendo profundamente os recursos e as características específicas dos diversos instrumentos, tratando-os como se fosse um virtuose de cada um deles, a instrumentação de Ravel é rica e equilibrada.
De Ravel incluímos no nosso programa de hoje o Concerto para a mão esquerda, escrito para o pianista austríaco Paul Wittgenstein, que, embora tendo perdido o braço direito, não renunciou à prática do seu instrumento.
Este concerto compõe-se de três movimentos: Lento, Allegro, Lento più, invertendo, portanto, a seriação comum dos trechos componentes dessa forma: Allegro, Lento, Allegro.
A peça é iniciada obscuramente pelos instrumentos de cordas, numa melodia triste, que toma aos poucos toda a orquestra. Depois de entoá-la, o conjunto se cala bruscamente, dando entrada ao piano, que canta sozinho na região grave. De novo orquestra e piano se alternam, fundindo-se no fim do movimento.
Um baixo acentuado, desenvolvendo-se sempre sobre um mesmo ritmo, percorre todo o Allegro central, no qual piano e orquestra caminham juntos. Após a melodia inicial, ouve-se muito baixinho o primeiro tema do primeiro movimento. Essa frase, passando primeiro por diversos instrumentos, é exposta com ímpeto por toda a orquestra, voltando depois a circular como no começo. E o movimento cessa repentinamente.
O terceiro movimento - um pouco menos lento que o inicial, principia num canto forte e sereno, um tanto doloroso. Em seguida o piano expõe o tema principal, do primeiro movimento. No final, ouvem-se alguns compassos em ritmo idêntico ao do Allegro.

(Do comentário ao 32º Concerto.)

Ravel (França, 1875-1937), Concerto para mão esquerda, para piano e orquestra.



Duração: 18:23

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* Repetição do 32º Concerto de Discos
** Repetição do 51º Concerto de Discos
*** Repetição do 32 Concerto de Discos

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