Ouça a leitura desse concerto:
15 de outubro de 1953
8 pessoas
1ª parte
Edouard Lalo
A música francesa do final do século XIX, embora tenha sido influenciada pelo misticismo germânico de Wagner e pela religiosidade do belga César Franck, apresenta contudo uma nitidez de escritura, um equilíbrio sutil entre a concepção e a realização da obra de arte, que por vezes chegamos a esquecer essas duas influências incontestáveis e a proclamar, como André Coeuroy, que "as imitações wagnerianas e franckistas são apenas miragens na evolução da música francesa". E de fato, o ano de 1875 marca com a "Carmen" de Bizet, o início de uma nova era operística e talvez o crepúsculo do wagnerismo em terras de França. A ópera francesa se desenvolve dessa época em diante dentro do espírito da tradição e da experiência nitidamente nacionais. É o "Estrangeiro" de d'Indy empolgando o público pela grandeza de seu símbolo e, em 1888, o "Rei D'Ys" de Edouard Lalo, uma das testemunhas da sempre jovem e viva música francesa. Em 1902, "Pelléas et Mélisande" de Debussy rompe em definitivo com o wagnerismo e novos caminhos são abertos à ópera francesa.
No domínio instrumental a influência exercida pela Sociedade Nacional de Música e pela Schola Cantorum, no sentido de uma volta à música pura, dentro das tradições nacionais, foi incontestável. Em todos os setores da música da França nota-se esse desejo de renovação.
Pelo bailado, combinação de música e mímica, passa também essa corrente renovadora, que sacode e destrói os lugares-comuns das cantilenas e cavatinas de que esse gênero estava cheio. O verdadeiro bailado francês "apresenta um equilíbrio profundo e permanente entre o elemento musical e o poético". Em todo ele há sempre a ideia poética, fio tênue e sutil conduzindo o desenrolar da mímica e da música. E foi dentro dessa concepção que Lalo criou uma obra verdadeiramente notável, rica de melodias, porém sem a vulgaridade da maioria dos bailados de então. "Namouna" é um marco na história do bailado francês. Toda a avalanche de injúrias, de incompreensão e de má vontade que precedeu a execução dessa peça, longe de abatê-la, elevou-a ainda mais. E é esse exemplo de discrição e equilíbrio que vamos apresentar a seguir ao nosso auditório.
Edouard Lalo (França, 1823-1892): Namouna (Suíte de bailado)*
Duração: 23:32
Canções francesas do século XVI
O século XVI, tão fértil em descobertas geográficas, científicas e artísticas, em grandes reformas religiosas e espirituais, abriu para a música um novo horizonte:- a polifonia evolui sensivelmente para a harmonia. A linha melódica mais aguda começa a predominar sobre as outras, que passam a fazer o papel de base e acompanhamento.
Trazendo em si "o gérmen da melodia acompanhada", surge a canção, ainda polifônica. A canção domina na Itália como o Madrigal, essencialmente amoroso; na Alemanha com o lied singelamente ingênuo, e atinge o apogeu na França com a "chanson", elegante e cerimoniosa.
O movimento humanista, saturado de Grécia, influi também na "chanson".
Enquanto alguns músicos compõem ainda sob a influência da Escola Flamenga polifônica, outros se põem a musicar os versos "medidos à antiga", isto é, à moda grega, escritos pelos poetas orientados por Baïf e Ronsard.
A canção representa um papel importante na música francesa. Originada do movimento trovadorístico e da "Arte Nova" do século XIV, constituiu sempre uma das mais específicas manifestações do espírito musical francês.
Conforme escreveu Mario de Andrade, a canção francesa é cheia de "uma doçura refinada, elegante, delicadamente sentimental, com propensão intelectualista para se sujeitar expressiva e tecnicamente ao texto musicado", cheia de "equilíbrio de forma" e de "habilidade bem disfarçada".
De tamanho muito variável as canções francesas do século XVI, geralmente evocam o amor. São cheias de imagens delicadas, de tolices encantadoras, reservando sempre um bom lugar à espirituosa malícia francesa.
Canções Francesas do Século XVI**:
Garnier (França,?-1538-1542): Réveillez moi [mon bel ami]
Duração: 3:04
Gentian (França, século XVI): La loy d'honneur
Sermisy (França, 1490-1562): En entrant en un jardin
Duração: 00:58
Berchem (França, 1505-1567): Jehan de Lagny
Duração: 02:35
Berchem, Que feu craintif [ma cause]
René (França, século XVI): Gros Jehan menoit
2ª parte
Franz Liszt
Um dos traços característicos da fase romântica foi o individualismo excessivo que se manifestou em todas as produções artísticas dessa época. Para a evolução musical esse individualismo foi de uma importância enorme e decisiva, porque a busca da expressão deu um impulso extraordinário às pesquisas de ordem técnica. E como consequência lógica do individualismo surge também o amor da virtuosidade. Por toda a parte aparecem artistas intérpretes, verdadeiros malabaristas dos instrumentos, que elevam a execução instrumental a um grau de precisão técnica brilhante e assustador.
Surgem Paganini - o mago do violino, e Liszt – o pianista prodígio, arrebatando as plateias da Europa, ávidas de lances dramáticos e sensações novas. O meio auxiliar da arte, a execução perfeita, tornou-se um fim, e a essência musical foi relegada a segundo plano. Liszt, compositor húngaro nascido em 1811 e falecido em 1886, começou sua carreira como concertista, porém o lado mais importante de sua vida de artista, e infelizmente o menos lembrado, foi o de Liszt inovador e precursor. Pesquisando timbres novos, alargou a orquestra e foi o criador do poema sinfônico, gênero de música de programa ilustrador de um texto ou tema literário, e que ele elevou a um alto grau de intensidade dramática e lírica. Liszt foi um dos iniciadores da moderna técnica pianística e concebeu o piano como uma verdadeira orquestra. Foi o precursor de Wagner, que muito deveu aos seus conselhos e à sua orientação. Sua bagagem musical compreende peças para piano, peças religiosas, concertos, e sobretudo poemas sinfônicos.
A Sonata em si menor, escrita em 1833 e dedicada a Schumann, é uma das mais importantes obras que Liszt compôs para o piano. Feita em um só movimento, "onde um motivo-condutor grandioso cria, através de episódios múltiplos, a unidade da concepção", essa sonata "renova, sem a contradizer a sonata clássica", e como bem disse um musicólogo francês, é um dos testemunhos de que, na obra pianística de Liszt, há muitas coisas que vão muito além do simples virtuosismo.
E é ainda o mesmo musicólogo quem define com muita precisão este grupo das obras pianísticas musicalmente importantes, escritas por Liszt, ao tecer este comentário exato:
"Além dos aspectos mais notáveis dessas composições pianísticas é o caráter orquestral que Liszt soube dar-lhes. Com duas mãos, ele encontra jeito de dispor até três ou quatro planos de sonoridades distintas. Sob seus dedos os teclados se multiplicam e se expandem. Os diversos grupos instrumentais da orquestra são evocados, senão por seus timbres, ao menos por seus valores relativos e também pela forma geral dos desenhos que lhes correspondem. De modo que à riqueza do pensamento ajusta-se à riqueza de um colorido do qual o piano, até então, não tinha suplantado o valor". (de: "L'Initiation à la Musique", p. 246 e s., autores diversos.)
Liszt (Hungria, 1811-1886): Sonata em Si Menor, para piano
Duração: 32:55
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* Repetição do 15º Concerto de Discos
** Repetição do 26º Concerto de Discos
*** Repetição do 22º Concerto de Discos