Ouça a leitura desse concerto:

54º – Concerto:- Debussy e Schubert

20 de agosto de 1953
1ª parte

Debussy

Claude Debussy viveu numa época em que às artes plásticas e à poesia novas diretrizes eram impostas pela necessidade cada vez maior de novos meios de expressão. A pintura e a escultura se dirigiam francamente para o impressionismo, e a poesia, levada por Mallarmé, Verlaine e Baudelaire, para o Simbolismo.
No mundo musical de então, Wagner dava as cartas; embora o wagnerismo tenha sido um fenômeno estritamente pessoal, não transformado em escola, sua influência sobre os músicos foi notável e importante. Debussy, que a princípio se declarava "wagneriano até o esquecimento dos mais simples princípios de boa educação", se distanciou depois tanto dessa estética alemã, que se tornou um dos elementos principais da reação francesa contra o wagnerismo. Gostando de Wagner e de sua obra, Debussy guardava em si porém, desde a mocidade, o gérmen de um novo meio de expressão musical, como se depreende desta sua declaração. "Não me tenta imitar o que admiro em Wagner. Concebo outra forma dramática em que a música começa onde a palavra é impotente como meio de expressão. A música se fez para o inexprimível; quisera que tivesse o ar de sair da sombra e que por instantes voltasse a perder-se nela; que sempre fosse discreta".
E é nesse ambiente de claro-escuro, de cores sonoras distintamente superpostas, que se baseia a estética debussiana. É música feita de acordes independentes, individualizados e sem lógica tonal. Esta orientação, apenas delineada em suas primeiras composições, como “L'enfant prodigue", “Zuleima", "La Demoiselle élue", se acentua no maravilhoso "Quarteto", no "Prelude à l'après midi d'un faune" e chega à perfeição na incomparável obra "Pelléas et Mélisande". Este drama de Maeterlinck, pelo misticismo amoroso das personagens, pelo indefinível das emoções e pelo ambiente velado e misterioso onde se desenvolve a ação, se prestava admiravelmente para que Debussy criasse a sua obra-prima. Ele resume nesta peça todas as ideias pessoais expostas em obras anteriores, caracterizadas pela liberdade da forma, pela harmonia leve, quase impalpável, e pelo colorido original e ambientador. Debussy amava profundamente o mar. Inspirado nele escreveu a peça hoje incluída em nosso programa, que se compõe de três quadros sinfônicos, como indica o subtitulo. Do amanhecer ao meio-dia, sobre o mar; Brinquedo das ondas; Diálogo do vento e do mar.
A primeira impressão nos sugere, a princípio, uma impenetrável obscuridade, um silêncio quebrado pelo rumor das águas. Insondável segredo... o mar antes do amanhecer! A intensa quietude... a cor cinzenta e espessa da noite... o ar de mistério que precede a aurora, tudo é admiravelmente sugerido nos acordes ascendentes da harpa e das cordas em surdina. A primeira ruga arroxeada que aparece na linha do horizonte é sugerida pelo tema que se ouve primeiro no oboé e em seguida na clarineta. As cores da aurora se refletem sobre o dorso coleante das ondas, e se fazem rosas, alaranjadas, multicores até que se confundem na claridade do novo dia. Céu e mar se contemplam e uma paisagem de terníssima beleza traduz as delícias marinhas. A música torna-se grandiosa no pintar o jogo de luzes e a passagem vagarosa de nuvens brancas sobre as águas.
No segundo quadro, uma deliciosa combinação instrumental sugere os movimentos alvoroçados e travessos das ondas, do mar para a praia, da praia para o mar. Há momentos de acariciadora beleza, seguidos do agitar violento das águas, que logo após se acalmam, pondo fim a este segundo quadro.
Diálogo do vento e do mar… ondas que se lançam para o infinito e se desmancham em espumas brancas e tranquilas no regaço alvo das praias... Vento ora bravio fustigando violentamente a superfície das águas, ora cantante, embalando o sono feliz dos mitos marinhos. O silêncio majestoso do oceano só quebrado pelo diálogo emocionante do vento e do mar!

Debussy (França, 1862-1918): La Mer



Duração: 23:08


2ª parte

SCHUBERT

Franz Peter Schubert, compositor austríaco do século XIX, é um dos grandes elos da cadeia que liga o classicismo ao romantismo. Os compositores do período de transição entre essas duas correntes, Schubert, Weber, por exemplo, já apresentam aquela comoção mais forte, aquele individualismo mais pronunciado do romantismo integral, conservando ainda parte do equilíbrio construtivo, da beleza intrinsecamente musical do classicismo.
Schubert era de temperamento alegre, comunicativo, tímido ao extremo junto de estranhos, mas expansivo e brincalhão perto dos amigos. Ficaram célebres no tempo as "Schubertiadas", isto é, as reuniões íntimas realizadas nos bares e salões familiares, nas quais ele tomava sempre parte e era por assim dizer a figura principal. Schubert fugia de todas as ocasiões em que suas qualidades pudessem ser exaltadas, detestava os salões aristocráticos da época e o gênero de vida artificial que aí se levava. Era absolutamente sincero no apreciar obras alheias e jamais o mais leve traço de inveja lhe empanava o julgamento. Dotado de admirável capacidade de trabalho, compunha diariamente das sete da manhã às duas da tarde, com uma espontaneidade prodigiosa.
Compositor fecundo, Schubert experimentou todos os gêneros musicais, deixando neles a marca da sua personalidade, caracterizada pela profundidade do sentimento, pela suavidade de sua melodia de inspiração popular, e pela sua harmonização cheia de relevo. No domínio instrumental, Schubert nos deixou composições de grande valor, Sinfonias, Trios, Quartetos, Quintetos, além de deliciosas peças para piano, como os seus Improvisos e Momentos Musicais.
Sob o aspecto sinfônico, a obra de Schubert é interessante e original. Há dentro da forma clássica da sinfonia, tratada por ele, uma leveza, uma felicidade que evidenciam perfeitamente sua existência despreocupada e boêmia.
A sinfonia nº 5 em si bemol maior, que vamos ouvir, está cheia dessa alegria caracteristicamente vienense. Schubert, sem ser trivial, expõe os motivos com tanta simplicidade e a seguir os desenvolve de uma maneira tão interessante, que nada fica a dever em beleza às complexas obras de um Beethoven.

Schubert (Áustria, 1797-1828): Sinfonia em Si Bemol Maior, nº 5



Duração: 28:46

Compartilhe: