Ouça a leitura desse concerto:
19 de setembro de 1957
3 pessoas*
Heitor Villa-Lobos
Heitor Villa-Lobos é carioca. Nasceu no Rio de Janeiro, a 5 de março de 1890, tendo seu pai, Raul Villa-Lobos, homem de boas letras e violoncelista de mérito, se preocupado em dar ao filho a melhor educação musical ensinando-lhe ele próprio o seu instrumento, de sorte que Villa-Lobos, já aos doze anos, se fazia ouvir com aplausos.
Aos dezenove anos, Villa-Lobos com o seu violoncelo foi tentar a vida. Andou por este Brasil afora, deu concertos e tocou em orquestra. Por volta de 1915, aparece fazendo ouvir as suas primeiras composições e em 1920 surge o seu nome, desafiando polêmicas, combatido, louvado e negado, o que era a primeira afirmação do seu valor. Na Semana de Arte Moderna, promovida pelo admirável Graça Aranha, em São Paulo, no começo de 1922, Villa-Lobos foi o grande escândalo. Debalde críticos mesquinhos e plateias medíocres tentaram apoucar-lhe o valor, que se ia afirmando vigorosamente, para repercutir no estrangeiro e torná-lo irrecusável no Brasil, como a mais definida expressão da música contemporânea entre nós e em toda a América.
Soube Villa-Lobos aproveitar as grandes experiências da música moderna, para nelas fazer a sua própria e lhes dar a contribuição de suas invenções. Da sua primeira fase, ainda sob a influência dos impressionistas, o que encontramos são tentativas, tateamentos, procuras, nas quais se salienta a sua irreprimível personalidade, a busca de horizontes novos.
A música de Villa-Lobos é essencialmente brasileira. A afirmativa pode parecer ousada e há nela alguma coisa de difícil a explicar, desde que não se pode definir o que seja a música brasileira. O que quero dizer é que encontro na música de Villa-Lobos uma substância profundamente nacional, que não está somente no aproveitamento ou deformação da temática ou de certas formas e modalidades do nosso populário, mas sobretudo no ambiente que cria, traduzindo uma palpitação especial, perfeitamente sensível, muito embora refugindo a precisões definidas.
Esse sentido nacional não é uma limitação, porque, como bem explicou Ronald de Carvalho, “para que Villa-Lobos pudesse realizá-la tornava-se mister, justamente, que ele possuísse esse dom da humanidade, ou melhor, da universalidade, próprio do criador.”
Villa-Lobos tem sido um grande revelador das riquezas da nossa música. Ele se impregnou do canto brasileiro. As velhas melodias gastas na boca do povo, ou nos seus instrumentos, os processos variados e peculiares de ritmar e modular, os efeitos de determinadas sonoridades nos conjuntos típicos, algumas vozes ameríndias que ficaram ressoando pelo espaço, foram para Villa-Lobos um manancial abundante.
Sua criação é de uma audácia extrema. Nada o limita ou circunscreve para objetivar a inspiração, nem o transbordamento nem o excessivo. É um dominador da matéria musical, que modela com violência e rudeza, da mesma forma que sabe contorná-la com sutileza e finura. Eis porque não se pode falar a rigor de uma maneira de Villa-Lobos, característica e específica. A sua expressão pessoal varia a cada passo e ele busca incessantemente novas trilhas e diretivas não raro desnorteantes. Na sua música não se detém nunca em aperfeiçoar processos, a sua ânsia constante é a descoberta. Isso explica a vastidão de sua obra, o seu valor e a sua riqueza.
No programa de hoje, homenagem da Discoteca Pública Municipal ao grande músico patrício, apresentaremos na primeira parte “Bachianas Brasileiras nº 1” com Menahem Pressler (pianista) e Orquestra regida por Theodore Bloomfiel; na segunda parte teremos: “Ciclo Brasileiro” - nº 2: Impressões Seresteiras; nº 3: Festa no Sertão e nº 4: Dança do Índio Branco; executadas ao piano por José Vieira Brandão; e finalmente na terceira parte ouviremos “Erosão” - Poema Sinfônico com a Orquestra de Louisville regida por Robert Whitney.
Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959):
Bachianas Brasileiras nº 1
Duração: 19:23
Ciclo Brasileiro
nº 1 - Plantio do caboclo, Sol Maior**
nº 2 - Impressões seresteiras, Dó Sustenido Menor
nº 3 - Festa no sertão, Dó Maior
nº 4 - Dança do índio branco, Lá Menor
Duração: 21:39
Erosão
Duração: 18:49
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* No alto da primeira página deste programa, há registro, a lápis: “3 pessoas” e, abaixo, o nome de “Carmen Martins Helal”, que substituiu Oneyda, nesta noite de audição.
No livro Cartas, Oneyda Alvarenga explica que Carmen foi sua terceira secretária na Discoteca Pública Municipal – pessoa que a substituiu depois de sua aposentadoria, em maio de 1968. In: ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 185.
** Pelo texto de Oneyda Alvarenga, vemos que não foi incluído na audição o nº 1 do Ciclo brasileiro, W374 (1936-1937), cujo título é Plantio do caboclo.