Ouça a leitura desse concerto:

107º Concerto: Guarnieri e Schubert

10 de fevereiro de 1955
3 pessoas

1ª parte

Camargo Guarnieri

A primeira parte do nosso concerto de hoje é dedicada ao grande compositor paulista Camargo Guarnieri, nome que entre nós todos respeitam e que cada dia se torna mais conhecido no exterior. Devendo sua formação artística a Mario de Andrade, ao maestro Lamberto Baldi e ao prof. Antônio Sá Pereira, Camargo Guarnieri conquistou em 1938 um prêmio de viagem à Europa que lhe permitiu, até 1940, aperfeiçoar-se em Paris, onde estudou contraponto, fuga, composição e estética musical com Charles Koechlin, e regência de orquestra e coro com François Ruhlmann.
O primeiro passo significativo da carreira do compositor é uma "Dança Brasileira" escrita em 1928. Em 1936 Camargo Guarnieri, já conhecido e admirado por quantos se interessavam pela música brasileira, conquistou, em concurso promovido pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, um primeiro prêmio pelo seu coral “Coisas deste Brasil”. Começou assim uma série de honrosas láureas nacionais e internacionais conferidas a obras suas: em 1937, prêmio do Departamento de Cultura à "Flor de Tremembé”, peça para 15 instrumentos solistas; em 1942, prêmio da Fleischer Music Collection, de Filadelfia - Estados Unidos, ao Concerto para violino e orquestra; em 1944, prêmio “Luiz Alberto Penteado de Rezende", dado à Sinfonia nº 1; no mesmo ano, prêmio da RCA Victor e da Chamber Music Guild, de Washington, ao Quarteto nº 2; em 1946, prêmio “Alexandre Levy” ao Concerto nº 2, para piano e orquestra; em 1948, 2º prêmio no concurso internacional “Sinfonia das Américas”, conferido, entre 800 concorrentes, a sua Sinfonia nº 2; e em 1954, prêmio "Carlos Gomes" à "Sinfonia São Paulo", conferido pela Comissão do 4º Centenário da Fundação de São Paulo.
A Sonata de Camargo Guarnieri incluída em nosso programa, revela os aspectos básicos que marcam toda a obra do compositor: uma absorção inteligente e discreta, sem nenhum rastreamento ou decalque, do espírito e das características da música folclórica brasileira, especialmente do feitio melódico das toadas e modas paulistas; uma técnica larga e segura, que lhe permite fundir o seu brasileirismo em estruturas de valor universal.
Porque é essencialmente moderna, como toda a música de Camargo Guarnieri, esta Sonata talvez não agrade aos ouvintes em uma primeira audição. Mas uma certa familiaridade com ela deixará depois perceber-se o seu valor, a largueza tristonha das melodias que o compositor cria com tamanha marca pessoal, a riqueza da escritura horizontal, em que as partes sonoras se desenvolvem como linhas independentes, mas intimamente ajustadas e equilibradas, a força dramática e um pouco áspera do primeiro movimento, o certo quê de mistério que percorre o segundo, e o vigor do caráter coreográfico do 3º movimento.
Para ouvi-la, pediríamos aos pouco afeitos à música contemporânea que não esquecessem estas palavras de Mario de Andrade, escritas há muito tempo, quando Camargo Guarnieri compôs uma das suas primeiras obras importantes, a Sonata para violoncelo e piano: “Se a própria novidade de certas concepções dele faz obras suas nos soarem estranhamente, isso não autoriza a afirmar que ele escreva mal. Aliás, já não se falou isto mesmo de Debussy, de Wagner, de Beethoven?...”.

Fontes:
Notas bio-bibliográficas contidas em programas de concertos do compositor.

Camargo Guarnieri (Brasil, 1907-1993): Sonata nº 2



Duração: 12:41


2ª parte

Schubert

A importância excepcional dos Lieder (ou canções) que Schubert compôs, talvez tenha impedido uma compreensão e uma valorização maiores da sua música instrumental. É verdade que os Lieder são a parte mais poderosamente original e genial da sua obra. Mas não é possível esquecer que há obras-primas na sua música de câmara, nem que sejam também obras-primas irrecusáveis a "Sinfonia Inacabada" e a Sinfonia em Dó Maior, nº 10.
Das 10 Sinfonias de Schubert, das quais uma das últimas se perdeu, as 6 primeiras foram escritas dos 16 aos 20 anos, entre 1813 e 1818. Quando compôs a sua décima Sinfonia, Schubert tinha 31 anos, isto é, estava numa idade em que Beethoven havia escrito apenas uma Sinfonia. É natural pois que tão grande produção em tão curto tempo de vida, não possa ter qualidade uniforme, nem ter atingido aquele ponto de segurança técnica e expressiva, aquela marca pessoal que só o tempo concede aos artistas. E Schubert não teve vida bastante para continuar o caminho que abrira com a "Sinfonia Inacabada": morreu no mesmo ano em que compôs a sua mais completa obra-prima orquestral, a Sinfonia nº 10.
As 6 primeiras Sinfonias de Schubert são pois obras de extrema mocidade, onde muitas influências de mestres seus contemporâneos ou pouco anteriores, se mostram com bastante evidência. Na Sinfonia nº 6, que fecha nosso programa, as influências claras são as de Beethoven e Rossini. Rossini está presente num largo número de italianismos encontráveis em toda a obra e no Adagio que precede o primeiro Allegro, Adagio que "verdadeiramente poderia começar uma Abertura italiana", comenta Alfred Einstein. Por outro lado, certas soluções técnicas da obra aparentam-se muito a outras da 1ª e 7ª Sinfonias de Beethoven, a quem Schubert admirava ardentemente e de quem disse um dia: "Ele sabe tudo, mas nós não podemos ainda compreendê-lo inteiramente. Muita água correrá ainda no Danúbio, até que as massas atinjam a compreensão de tudo quanto esse homem criou. Ele é não só o mais sublime e o mais produtivo dos músicos, como também o mais consolante".
"Consolante" é também a palavra que cabe ao próprio Schubert, à sua alegria brincalhona, à sua simplicidade, à sua ausência total de qualquer vaidade, ao seu coração largo, tão generosamente dado ao convívio humano e espalhado na sua música envolvente e cálida.

Fontes:

Alfred Einstein: "Schubert". Trad. ing. de David Ascoli . London, Cassell & Company Ltd., 1951.
E. Roggeri: "Schubert, La Vita – Le Opere" . 3ª ed. Milano, Fratelli Bocca-Editori, 1946.
L.A. Bourgault-Ducoudray: "Schubert". Paris, Henri Laurens, Éditeur, s.d.

Schubert (Áustria, 1797-1828): Sinfonia em Dó Maior, nº 6



Duração: 32:17

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